São Paulo, quarta-feira, 10 de abril de 2002

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MEDICINA

Primeiro teste de nova terapia, feito por médicos nos EUA, diminuiu em 83% os sintomas da doença em paciente

Célula-tronco combate mal de Parkinson

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O transplante de células-tronco para o cérebro de um americano que tem mal de Parkinson conseguiu reduzir em 83% os sintomas da doença, no primeiro caso em que a técnica combate com sucesso um problema neurológico em humanos. Se confirmado, o experimento poderá resultar numa nova forma de tratamento para Parkinson e outras doenças degenerativas do cérebro.
A façanha, divulgada anteontem pelo jornal "The Washington Post", foi relatada num congresso científico em Chicago (EUA) pelo médico franco-canadense Michel Lévesque (pronuncia-se "Levéque"). Ele foi o primeiro a testar esse tipo de tratamento num ser humano, usando células-tronco do cérebro do próprio paciente.
O resultado melhorou de forma surpreendente a qualidade de vida de Dennis Turner, 59, engenheiro nuclear e ex-piloto de caças que foi diagnosticado como portador de Parkinson aos 49 anos. Contudo, como o resultado veio de um único paciente, os médicos ainda estão cautelosos.
As células-tronco andam povoando o noticiário e a imaginação dos cientistas há algum tempo, e não sem razão. As ditas cujas são curingas fisiológicos, capazes de assumir, sob os estímulos certos, a função de praticamente qualquer tecido humano, dos músculos aos nervos.
Acreditava-se que só as células-tronco retiradas de embriões tivessem esse potencial todo, mas recentemente se viu que certas regiões de organismos adultos -principalmente a medula óssea e algumas partes do cérebro- também tinham a capacidade de fabricar células-tronco.

Sem dilema
Essa propriedade é uma mão na roda para os pesquisadores que querem escapar do atoleiro ético das células-tronco embrionárias (para usá-las, é preciso destruir embriões humanos) e, de quebra, driblar o problema da rejeição: mesmo doente, a pessoa nunca pára de produzir células-tronco, podendo receber as suas próprias num transplante.
Já se conseguiram coisas mirabolantes, como transformar células-tronco da medula óssea em músculos do coração. No caso da pesquisa de Lévesque, que trabalha no Centro Médico Cedars-Sinai, em Los Angeles, a coisa parece até mais simples: células-tronco foram retiradas do córtex, a chamada "massa cinzenta" da superfície do cérebro.
"Nós cultivamos as células durante seis meses, selecionando as que se transformavam em neurônios produtores de dopamina [proteína que ajuda a conduzir impulsos nervosos]", explicou Lévesque à Folha.
Cerca de seis milhões dessas células foram reimplantadas na região conhecida como "substância negra", uma pequena área na base do cérebro que ajuda no controle dos movimentos e é afetada pela perda de neurônios produtores de dopamina no mal de Parkinson. Com dez anos de doença, Dennis Turner tinha sintomas severos (tremores e perda de coordenação motora) e estava no nível chamado quatro da enfermidade, afirma Lévesque -a fase mais grave é a quinta.
Depois de seis meses do transplante, os sintomas da doença começaram a diminuir de forma acentuada. Um ano depois, a melhora -medida pela capacidade do paciente de andar, escrever e fazer movimentos rápidos- era de 83%. "E isso já faz três anos", afirma o pesquisador.

Cautela e esperança
"Como eles fizeram isso com um paciente só, sempre há a possibilidade de ser por acaso", explica Ademir Baptista Silva, neurologista da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). "Mas as células-tronco têm tudo para resolver esse tipo de problema".
Rosalia Mendez Otero, pesquisadora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) que estuda células-tronco do cérebro em camundongos, afirma que algo semelhante só havia sido feito com células embrionárias.
"Eles usaram a melhor fonte desse tipo de célula, que é o córtex. É óbvio que a gente tem de esperar por mais testes, mas a coisa é muito interessante", avalia.
É o que pretende Lévesque. "Vamos expandir essa terapia para mais 20 pacientes, aplicando as células em um dos lados do cérebro e deixando o outro como controle. Temos de ser cautelosos com esses dados, mas espero que eles se repitam numa escala maior", conclui o médico.



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