|
Próximo Texto | Índice
MEDICINA
Primeiro teste de nova terapia, feito por médicos nos EUA, diminuiu em 83% os sintomas da doença em paciente
Célula-tronco combate mal de Parkinson
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O transplante de células-tronco
para o cérebro de um americano
que tem mal de Parkinson conseguiu reduzir em 83% os sintomas
da doença, no primeiro caso em
que a técnica combate com sucesso um problema neurológico em
humanos. Se confirmado, o experimento poderá resultar numa
nova forma de tratamento para
Parkinson e outras doenças degenerativas do cérebro.
A façanha, divulgada anteontem pelo jornal "The Washington
Post", foi relatada num congresso
científico em Chicago (EUA) pelo
médico franco-canadense Michel
Lévesque (pronuncia-se "Levéque"). Ele foi o primeiro a testar
esse tipo de tratamento num ser
humano, usando células-tronco
do cérebro do próprio paciente.
O resultado melhorou de forma
surpreendente a qualidade de vida de Dennis Turner, 59, engenheiro nuclear e ex-piloto de caças que foi diagnosticado como
portador de Parkinson aos 49
anos. Contudo, como o resultado
veio de um único paciente, os médicos ainda estão cautelosos.
As células-tronco andam povoando o noticiário e a imaginação dos cientistas há algum tempo, e não sem razão. As ditas cujas
são curingas fisiológicos, capazes
de assumir, sob os estímulos certos, a função de praticamente
qualquer tecido humano, dos
músculos aos nervos.
Acreditava-se que só as células-tronco retiradas de embriões tivessem esse potencial todo, mas
recentemente se viu que certas regiões de organismos adultos
-principalmente a medula óssea
e algumas partes do cérebro-
também tinham a capacidade de
fabricar células-tronco.
Sem dilema
Essa propriedade é uma mão na
roda para os pesquisadores que
querem escapar do atoleiro ético
das células-tronco embrionárias
(para usá-las, é preciso destruir
embriões humanos) e, de quebra,
driblar o problema da rejeição:
mesmo doente, a pessoa nunca
pára de produzir células-tronco,
podendo receber as suas próprias
num transplante.
Já se conseguiram coisas mirabolantes, como transformar células-tronco da medula óssea em
músculos do coração. No caso da
pesquisa de Lévesque, que trabalha no Centro Médico Cedars-Sinai, em Los Angeles, a coisa parece até mais simples: células-tronco foram retiradas do córtex, a
chamada "massa cinzenta" da superfície do cérebro.
"Nós cultivamos as células durante seis meses, selecionando as
que se transformavam em neurônios produtores de dopamina
[proteína que ajuda a conduzir
impulsos nervosos]", explicou
Lévesque à Folha.
Cerca de seis milhões dessas células foram reimplantadas na região conhecida como "substância
negra", uma pequena área na base do cérebro que ajuda no controle dos movimentos e é afetada
pela perda de neurônios produtores de dopamina no mal de Parkinson. Com dez anos de doença,
Dennis Turner tinha sintomas severos (tremores e perda de coordenação motora) e estava no nível
chamado quatro da enfermidade,
afirma Lévesque -a fase mais
grave é a quinta.
Depois de seis meses do transplante, os sintomas da doença começaram a diminuir de forma
acentuada. Um ano depois, a melhora -medida pela capacidade
do paciente de andar, escrever e
fazer movimentos rápidos- era
de 83%. "E isso já faz três anos",
afirma o pesquisador.
Cautela e esperança
"Como eles fizeram isso com
um paciente só, sempre há a possibilidade de ser por acaso", explica Ademir Baptista Silva, neurologista da Unifesp (Universidade
Federal de São Paulo). "Mas as células-tronco têm tudo para resolver esse tipo de problema".
Rosalia Mendez Otero, pesquisadora da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro) que estuda células-tronco do cérebro
em camundongos, afirma que algo semelhante só havia sido feito
com células embrionárias.
"Eles usaram a melhor fonte desse tipo de célula, que é o córtex. É óbvio que a gente tem de esperar por mais testes, mas a coisa é muito interessante", avalia.
É o que pretende Lévesque.
"Vamos expandir essa terapia para mais 20 pacientes, aplicando as
células em um dos lados do cérebro e deixando o outro como controle. Temos de ser cautelosos com esses dados, mas espero que eles se repitam numa escala maior", conclui o médico.
Próximo Texto: Bioética: Senado discute proposta que quer proibir clonagem humana no país Índice
|