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BIOTECNOLOGIA
Experimentos fora do corpo tornaram células humanas imunes, mas ainda há vários desafios à aplicação
Nova terapia genética ataca Aids e pólio
STEVE CONNOR
DO "THE INDEPENDENT"
Um desenvolvimento revolucionário em genética levantou a
possibilidade de curar câncer a
tratar infecções virais letais usando uma técnica descoberta por
um grupo de cientistas com uma
série de experimentos pioneiros.
Os pesquisadores estão comparando a descoberta aos primeiros
dias do desenvolvimento de antibióticos, que alteraram radicalmente o modo pelo qual os médicos tratavam infecções bacterianas no século 20.
Estudos conduzidos no mês
passado nos EUA e na Europa
mostraram que o uso da técnica
faz células humanas colocadas em
um tubo de ensaio resistirem aos
efeitos do vírus da pólio e do HIV
(causador da Aids). Os pesquisadores acreditam que o expediente
também funcionará contra câncer, podendo até resolver problemas de rejeição em transplantes.
Gordon Carmichael, professor
de microbiologia na Universidade
de Connecticut em Farmington
(EUA), consultor científico da revista "Nature", disse que o processo conhecido como interferência de RNA (RNAi) espantou os
cientistas por seu poder de combater vírus e tumores, ao desligar
ou "silenciar" genes daninhos.
"Em biologia, nos últimos 18
meses, houve uma revolução. Está até mudando o modo pelo qual
estamos desenvolvendo os experimentos", disse Carmichael.
"Estamos tentando desligar os
genes dos vírus e do câncer há
anos. Isso funciona. Está se mostrando uma nova abordagem para tratamento anticâncer e antivirótico", afirmou.
Os cientistas enfatizam que a
técnica ainda está na infância e
que será preciso pelo menos dois
anos antes de qualquer teste clínico com humanos. Eles estão otimistas com a possibilidade de ela
ser altamente eficiente e não ter
nenhum dos efeitos colaterais do
tratamento convencional.
Companhias de biotecnologia já
estão pedindo direitos de patente
e carreando milhões de dólares
para o desenvolvimento da técnica para propósitos médicos. Um
grupo de cientistas recebeu US$
15 milhões na semana passada para desenvolver um tratamento
para hepatite e câncer.
Histórico da RNAi
A história da descoberta remonta a 1990, mas a revolução real
aconteceu em 1998, quando Andrew Fire, na Carnegie Institution
da Universidade Johns Hopkins,
em Baltimore (EUA), descobriu
que o RNA -um primo próximo
do DNA, molécula-código da herança das características genéticas- podia desligar genes.
Fire apelidou o efeito de "interferência de RNA" (RNAi) e a explicou com a idéia de que genes
podem ser silenciados seletivamente. Significa que genes defeituosos que fazem tumores crescerem, ou genes usados por um vírus para se reproduzir, poderiam
assim ser desligados.
O salto ocorreu numa série de
experimentos este ano, que envolveu o teste da idéia em células humanas. Fire apenas havia mostrado que a coisa funcionava em um
pequeno verme nematóide.
Dois grupos independentes de
pesquisadores demonstraram
que células humanas num tubo
de ensaio podem ser modificadas
para resistir à infecção com o
HIV. Um terceiro descobriu que o
método funciona contra o vírus
da pólio, de um modo que eles
acham que será eficiente contra
outros vírus humanos.
Sob medida para o alvo
Uma idéia para tratamento da
Aids é tirar as células do sangue de
uma pessoa e modificá-las usando a RNAi para torná-las imunes
ao HIV. O paciente deveria então
se tornar resistente à infecção.
A beleza do processo é ser altamente específico para o gene que
foi selecionado como alvo. A interferência não resultaria no silenciamento de outros genes importantes, disse Carmichael.
Isso é importante quando se trata de possíveis efeitos colaterais.
"Se você projetá-lo contra o HIV,
então não há praticamente possibilidade de que ele resulte em um
sistema que ataque o DNA do
próprio paciente", disse.
Um problema significativo que
ainda precisa ser trabalhado, entretanto, é como garantir que todas as células do paciente que precisam ser tratadas com RNAi vão
passar pelo processo. "É um problema de entrega -como levar os
ingredientes ativos às células que
precisam deles."
Várias equipes de cientistas já
estão trabalhando no esforço e experimentos em camundongos indicam que o tratamento de RNAi
será mais fácil em órgãos que têm
um rico suprimento sanguíneo,
como o fígado e os rins.
Apesar das dificuldades que restam, o poder da técnica animou
os cientistas. "Uma vez que
aprendemos as regras, ficou bem
mais simples do que imaginávamos. Pode ser um meio poderoso
de atacar vírus e câncer. É uma revolução", defende Carmichael.
Fire disse que há grande empolgação na comunidade científica
sobre o potencial do RNAi, embora ainda haja muitas barreiras. Pelo menos, disse, vai explodir o entendimento do genoma humano.
"É muito promissor. Mesmo se não for usado como um instrumento terapêutico, será inquestionavelmente útil para muitas coisas, para descobrir quais genes fazem o quê", disse.
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