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GEOLOGIA
Camada consegue impedir contaminação de água
Rocha subterrânea poderá ser estoque de lixo tóxico e nuclear
MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Poder enterrar lixo tóxico e nuclear e deixá-lo lá por milhões e
milhões de anos, sem perigo de
contaminação, sempre foi o sonho de ambientalistas, indústrias
e governos. Segundo cientistas
franceses, isso pode ser possível
no futuro com o auxílio de rochas
conhecidas como aquitardes.
Os aquitardes são camadas de
rocha subterrânea com baixíssima permeabilidade, ou seja, são
tão sólidas que não deixam quase
nada passar, mesmo que por longos períodos de tempo.
Cientistas do Centro de Pesquisas Petrográficas e Geoquímicas,
na França, fizeram testes na bacia
de Paris com uma dessas camadas, chamada de Trias e Lias (o
nome da camada vem de ela ter sido formada no fim do período
Triássico e no começo do Liássico, há cerca de 190 milhões de
anos). Descobriram que é sólida o
suficiente para abrigar grandes
quantidades de lixo tóxico sem
oferecer risco de contaminação
de águas subterrâneas.
"É difícil dizer que os aquitardes
são a solução para o lixo tóxico só
com um exemplo", disse por telefone Christian France-Lanord,
um dos geólogos responsáveis pela pesquisa. "Podemos dizer, no
entanto, que a permeabilidade
deles é baixa o suficiente para isolar rejeitos químicos ou nucleares
por milhões de anos."
Para avaliar se as rochas estudadas tinham o potencial de confinamento para ser bons reservatórios de lixo em escala geológica,
France-Lanord e seus colaboradores resolveram medir as propriedades da água que envolve a
camada de Trias e Lias. Os cientistas verificaram que as águas que
estão acima da rocha não entraram em contato com as águas que
estão abaixo dela na última dezena de milhões de anos. Ou seja, a
separação feita pelo aquitarde foi
completa durante o período.
O problema principal da equipe
era criar um método de simulação ou verificação do que poderia
acontecer no aquífero nessa escala de tempo. Algumas tentativas
de fazer simulações em laboratório já haviam sido realizadas sem
sucesso na Europa e no Japão.
Modelos matemáticos também
não tinham produzido frutos.
Para resolver o problema, os
pesquisadores se utilizaram de
uma espécie de detector geoquímico para tentar medir o que
aconteceu nos últimos milhões de
anos: o hélio-4. Esse gás inerte é
uma substância estável, que pode
ser usada como indicador para diferenciar a origem das águas.
Como o decaimento radioativo
de urânio e tório nas profundezas
libera muito gás hélio-4, águas
muito profundas costumam ter
maior quantidade do gás dissolvido do que as águas mais próximas
da superfície. Medidas comparativas podem determinar se houve
contato entre águas de profundidades diferentes.
"A utilização do hélio-4 para as
medidas foi o grande diferencial
de nossa pesquisa. Os dados das
pesquisas anteriores eram contraditórios, mas a utilização desses
detectores geoquímicos não deixa
dúvidas", diz France-Lanord.
"Nosso método poderá ser repetido ao redor do mundo."
As camadas acima e abaixo do
aquitarde de Trias e Lias são aquíferos, ou seja, rochas porosas que
permitem a passagem e a estocagem de água. São, no caso, o aquífero Dogger -formado no período Jurássico, há cerca de 160 milhões de anos- e o aquífero Trias
-originário do Triássico, há cerca de 215 milhões de anos.
Para obter amostras de água do
aquífero Dogger, acima do aquitarde, e do aquífero Trias, abaixo
da camada, os cientistas usaram
água recolhida em 24 poços de regiões diferentes da França. As
profundidades variaram de 80 m
a 834 m abaixo do nível do mar.
Segundo France-Lanord, uma
limitação para usar o aquitarde
como estoque de lixo seria a existência de falhas e fraturas na rocha. "É preciso que se estude
exaustivamente a região a ser utilizada, para que se minimize esse
perigo", disse. O estudo foi publicado no último número da revista
científica britânica "Nature"
(www.nature.com).
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