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São Paulo, quarta-feira, 10 de setembro de 2003

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GEOLOGIA

Camada consegue impedir contaminação de água

Rocha subterrânea poderá ser estoque de lixo tóxico e nuclear

MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Poder enterrar lixo tóxico e nuclear e deixá-lo lá por milhões e milhões de anos, sem perigo de contaminação, sempre foi o sonho de ambientalistas, indústrias e governos. Segundo cientistas franceses, isso pode ser possível no futuro com o auxílio de rochas conhecidas como aquitardes.
Os aquitardes são camadas de rocha subterrânea com baixíssima permeabilidade, ou seja, são tão sólidas que não deixam quase nada passar, mesmo que por longos períodos de tempo.
Cientistas do Centro de Pesquisas Petrográficas e Geoquímicas, na França, fizeram testes na bacia de Paris com uma dessas camadas, chamada de Trias e Lias (o nome da camada vem de ela ter sido formada no fim do período Triássico e no começo do Liássico, há cerca de 190 milhões de anos). Descobriram que é sólida o suficiente para abrigar grandes quantidades de lixo tóxico sem oferecer risco de contaminação de águas subterrâneas.
"É difícil dizer que os aquitardes são a solução para o lixo tóxico só com um exemplo", disse por telefone Christian France-Lanord, um dos geólogos responsáveis pela pesquisa. "Podemos dizer, no entanto, que a permeabilidade deles é baixa o suficiente para isolar rejeitos químicos ou nucleares por milhões de anos."
Para avaliar se as rochas estudadas tinham o potencial de confinamento para ser bons reservatórios de lixo em escala geológica, France-Lanord e seus colaboradores resolveram medir as propriedades da água que envolve a camada de Trias e Lias. Os cientistas verificaram que as águas que estão acima da rocha não entraram em contato com as águas que estão abaixo dela na última dezena de milhões de anos. Ou seja, a separação feita pelo aquitarde foi completa durante o período.
O problema principal da equipe era criar um método de simulação ou verificação do que poderia acontecer no aquífero nessa escala de tempo. Algumas tentativas de fazer simulações em laboratório já haviam sido realizadas sem sucesso na Europa e no Japão. Modelos matemáticos também não tinham produzido frutos.
Para resolver o problema, os pesquisadores se utilizaram de uma espécie de detector geoquímico para tentar medir o que aconteceu nos últimos milhões de anos: o hélio-4. Esse gás inerte é uma substância estável, que pode ser usada como indicador para diferenciar a origem das águas.
Como o decaimento radioativo de urânio e tório nas profundezas libera muito gás hélio-4, águas muito profundas costumam ter maior quantidade do gás dissolvido do que as águas mais próximas da superfície. Medidas comparativas podem determinar se houve contato entre águas de profundidades diferentes.
"A utilização do hélio-4 para as medidas foi o grande diferencial de nossa pesquisa. Os dados das pesquisas anteriores eram contraditórios, mas a utilização desses detectores geoquímicos não deixa dúvidas", diz France-Lanord. "Nosso método poderá ser repetido ao redor do mundo."
As camadas acima e abaixo do aquitarde de Trias e Lias são aquíferos, ou seja, rochas porosas que permitem a passagem e a estocagem de água. São, no caso, o aquífero Dogger -formado no período Jurássico, há cerca de 160 milhões de anos- e o aquífero Trias -originário do Triássico, há cerca de 215 milhões de anos.
Para obter amostras de água do aquífero Dogger, acima do aquitarde, e do aquífero Trias, abaixo da camada, os cientistas usaram água recolhida em 24 poços de regiões diferentes da França. As profundidades variaram de 80 m a 834 m abaixo do nível do mar.
Segundo France-Lanord, uma limitação para usar o aquitarde como estoque de lixo seria a existência de falhas e fraturas na rocha. "É preciso que se estude exaustivamente a região a ser utilizada, para que se minimize esse perigo", disse. O estudo foi publicado no último número da revista científica britânica "Nature" (www.nature.com).


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