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QUÍMICA
Ferramentas para entender a vida em escala molecular rendem US$ 1 milhão a norte-americano, japonês e suíço
Prêmio Nobel sai para "fotos" de proteínas
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
As pesquisas que renderam o
Prêmio Nobel de Química para
John Fenn, Koichi Tanaka e Kurt
Wüthrich não responderam a nenhuma questão fundamental da
ciência. Mas ofereceram técnicas
que tornam a busca por essas respostas tangível. Seus avanços estão permitindo desvendar nada
menos que a mais complexa rede
de interações químicas conhecida, a que compõe o fenômeno conhecido como vida.
O americano Fenn, da Virginia
Commonwealth University, e o
japonês Tanaka, da empresa Shimadzu Corp., dividiram metade
do prêmio (que corresponde, no
total, a cerca de US$ 1 milhão) por
desenvolverem dois métodos diferentes, mas bem parecidos, para
identificar determinadas proteínas em uma solução pela medição
do peso das moléculas.
O suíço Wüthrich, do Instituto
Federal de Tecnologia da Suíça,
faturou sozinho os outros US$
500 mil, por ter inventado um
modo de determinar o formato
exato de uma proteína -que não
é exatamente simples, como se
pode ver no quadro à direita.
A palavra mágica dos três trabalhos é uma só: "proteínas". Não
por acaso. Afinal, as proteínas são
as complexas moléculas responsáveis por praticamente tudo que
acontece em organismos vivos,
desde a formação e a composição
até a regulação e o funcionamento. Elas são montadas dentro do
corpo com base na informação
contida nos genes, e é a forma específica que adquirem depois de
construídas que determina como
(e se) vão atuar na célula.
A identificação da presença de
proteínas específicas de um câncer, por exemplo, pode denunciar
a ação de um tumor bem antes
que ele se torne um problema incontornável. Isso sem falar nos
possíveis usos no estudo de substâncias potencialmente nocivas
ao organismo e no desenvolvimento de novos remédios. Fenn e
Tanaka foram os responsáveis
por tudo isso ser possível.
O peso das proteínas
Os dois criaram um método para tornar as proteínas "pesáveis".
Como cada uma deve ter um peso
mais ou menos particular, dependendo dos átomos que a compõem, por esse índice é possível
identificar qual delas é qual.
Meios de "pesar" moléculas já
eram velhos conhecidos dos cientistas. Eles faziam isso por meio
da técnica conhecida como espectrometria de massa, que consiste
em ionizar a molécula a ser "pesada" (arrancar ou doar elétrons,
dando a ela carga positiva ou negativa) e então submetê-la a um
campo elétrico, que faz com que
ela se desloque. Graças a essa "assinatura", composta por quanto
ela interage com o campo elétrico
e pela velocidade com que se desloca, é possível identificá-la.
Acontece que a técnica não funcionava bem com proteínas, pois
ninguém sabia como ionizá-las
sem ao mesmo tempo destruí-las.
A inovação de Fenn, em 1988, foi
conseguir o efeito de ionização recobrindo superficialmente a proteína de uma substância ácida a
partir de um jato líquido "disparado" por um campo elétrico. A
técnica é conhecida como ionização por eletrospray.
No mesmo ano, Tanaka obteve
o mesmo efeito de ionização, mas,
em vez de usar um spray líquido,
usou um gás. E, para dispará-lo,
em vez de um campo elétrico,
usou a energia de um laser.
Já Wüthrich fez algo que parecia
ainda mais complicado: definir a
complexa forma de um proteína
sem ser capaz de vê-la. Ele obteve
esse resultado usando ressonância nuclear magnética. Inventou
um método que usava o estudo
dos sinais emitidos pela interação
de átomos em uma molécula para
determinar em que lugar, na proteína, estava cada átomo de hidrogênio. A partir dessa informação,
com um modelo matemático, tornou possível prever a forma completa da molécula -o que foi feito
pela primeira vez em 1985.
As técnicas premiadas apontam
todas uma única direção: a proteômica. Considerada o futuro da
biologia molecular, essa ciência
pretende investigar as interações
entre as proteínas do organismo.
Em vez de estudar o código dos
genes, melhor é investigar o que
eles codificam, em plena ação, defendem os entusiastas da proteômica. Muitos a apontam como o
próximo passo, depois do furor
genômico dos últimos anos.
Para isso, as ferramentas de
Fenn, Tanaka e Wüthrich são fundamentais. "O impacto que Galileu teve com seu telescópio no entendimento do Sistema Solar é o
que essas ferramentas devem ter,
no nível da biologia molecular",
diz Carlos Bloch, pesquisador da
Embrapa (Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária).
"Eu entendo que essa área é a
que vai revolucionar as ciências
da vida", diz Jorge Guimarães, da
Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, presidente da Sociedade Brasileira de Bioquímica
e Biologia Molecular.
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