São Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 2002

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QUÍMICA

Atordoado pela notícia, americano afirma que ciência pode ser incapaz de descobrir todas as proteínas da espécie

Fenn, 85, diz que Nobel veio como um raio

William Philpott/Reuters
John Fenn dá entrevista na porta de casa, em Richmond (EUA)


CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

"Estou em estado de choque, então posso não ser coerente. Espero que você me perdoe." Assim John B. Fenn atendeu a mais um pedido de entrevista, três horas depois de ficar sabendo que havia ganho o Nobel de Química.
Fenn, 85, disse que jamais esperaria receber o prêmio. "É como ser atingido por um raio." De sua casa em Richmond, no Estado da Virgínia, ele falou à Folha. Leia a seguir a entrevista.

Folha - O sr. esperava pela premiação, uma vez que o seu trabalho abriu o campo da proteômica?
John Fenn -
Eu sabia que a espectrometria de massa por eletrospray era uma ferramenta muito poderosa na análise de proteínas, e eu sabia que havia montes de publicações. Foram 1.700 artigos publicados só no ano passado.
Eu sabia que isso estava sendo amplamente usado, e quando uma coisa é tão popular... As pessoas diziam: "Aposto que você vai ganhar o Prêmio Nobel por isso". Mas as chances eram tão pequenas que, como eu disse, é como ser atingido por um raio.

Folha - No começo do Projeto Genoma Humano, as pessoas diziam que o trabalho iria levar uma vida inteira, e ele foi feito em dez anos. Quando o sr. acha que nós teremos o proteoma humano?
Fenn -
Qualquer um que queira fazer previsões está se arriscando muito. É como, num certo sentido, conseguir primeiro o alfabeto -isso é o genoma. E aí você precisa juntar as palavras em diversas palavras, as palavras em frases, as frases em livros e assim por diante. Eu acho que a proteômica é um par de ordens de magnitude mais complexa que a genômica. Então, provavelmente o proteoma nunca vai ser completado. Quando o último livro vai ser escrito? Quem sabe? Quando o papel da última proteína será esclarecido? Não sei, mas tenho a suspeita de que será muitas vidas depois da minha.

Folha - Como ocorreu o estalo de aplicar o eletrospray a proteínas?
Fenn -
Isso começou há muitos anos, quando eu me interessei pelos chamados jatos livres supersônicos, gerados por vazamentos de gás num sistema de vácuo. Em 1968, saiu um trabalho que propunha como medir as massas de moléculas de polímeros pondo-as na fase gasosa. Bem, [o pesquisador] publicou um trabalho, mas seus resultados no laboratório não persuadiram as pessoas de que ele estava certo. Alguém me mostrou esse trabalho quando eu estava em Yale, e eu vi qual era o problema -ele não entendia a natureza dos vazamentos no sistema de vácuo, e eu entendi.
Começamos a fazer experimentos, e eles funcionaram. Em 1983 publicamos o primeiro trabalho. Quatro anos mais tarde, trabalhamos com proteínas, e foi aí que, dizem alguns, começou a revolução do eletrospray.
O campo tem crescido a uma velocidade de tirar o fôlego, e é difícil acompanhar. Não sei como estão as coisas no momento, estou tão confuso que [risos" nem sei quem sou, nem onde estou.

Folha - O prêmio foi para ferramentas de pesquisa. O sr. vê o desenvolvimento de ferramentas, em lugar de teorias, como uma tendência em ciências?
Fenn -
Muitos dizem que toda grande invenção em ciência deriva do desenvolvimento de uma nova ferramenta. Certamente é verdade em ciência experimental. A ciência teórica é menos guiada por ferramentas, mas o que eles pensam não tem muito sentido até que seja comprovado por uma demonstração experimental.
A idéia de átomo foi desenvolvida pelos gregos, mas só dois séculos atrás os átomos foram identificados, caracterizados, e então começaram a fazer algum sentido. Não sei, posso não estar falando coisa com coisa. As ferramentas e técnicas têm empurrado o avanço da ciência. Veja o telescópio: Galileu inventou o telescópio, e veja o que aconteceu!


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