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QUÍMICA
Atordoado pela notícia, americano afirma que ciência pode ser incapaz de descobrir todas as proteínas da espécie
Fenn, 85, diz que Nobel veio como um raio
William Philpott/Reuters
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John Fenn dá entrevista na porta de casa, em Richmond (EUA) |
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
"Estou em estado de choque,
então posso não ser coerente. Espero que você me perdoe." Assim
John B. Fenn atendeu a mais um
pedido de entrevista, três horas
depois de ficar sabendo que havia
ganho o Nobel de Química.
Fenn, 85, disse que jamais esperaria receber o prêmio. "É como
ser atingido por um raio." De sua
casa em Richmond, no Estado da
Virgínia, ele falou à Folha. Leia a
seguir a entrevista.
Folha - O sr. esperava pela premiação, uma vez que o seu trabalho abriu o campo da proteômica?
John Fenn - Eu sabia que a espectrometria de massa por eletrospray era uma ferramenta muito
poderosa na análise de proteínas,
e eu sabia que havia montes de
publicações. Foram 1.700 artigos
publicados só no ano passado.
Eu sabia que isso estava sendo
amplamente usado, e quando
uma coisa é tão popular... As pessoas diziam: "Aposto que você vai
ganhar o Prêmio Nobel por isso".
Mas as chances eram tão pequenas que, como eu disse, é como
ser atingido por um raio.
Folha - No começo do Projeto Genoma Humano, as pessoas diziam
que o trabalho iria levar uma vida
inteira, e ele foi feito em dez anos.
Quando o sr. acha que nós teremos
o proteoma humano?
Fenn - Qualquer um que queira
fazer previsões está se arriscando
muito. É como, num certo sentido, conseguir primeiro o alfabeto
-isso é o genoma. E aí você precisa juntar as palavras em diversas
palavras, as palavras em frases, as
frases em livros e assim por diante. Eu acho que a proteômica é um
par de ordens de magnitude mais
complexa que a genômica. Então,
provavelmente o proteoma nunca vai ser completado. Quando o
último livro vai ser escrito? Quem
sabe? Quando o papel da última
proteína será esclarecido? Não sei,
mas tenho a suspeita de que será
muitas vidas depois da minha.
Folha - Como ocorreu o estalo de
aplicar o eletrospray a proteínas?
Fenn - Isso começou há muitos
anos, quando eu me interessei pelos chamados jatos livres supersônicos, gerados por vazamentos de
gás num sistema de vácuo. Em
1968, saiu um trabalho que propunha como medir as massas de
moléculas de polímeros pondo-as
na fase gasosa. Bem, [o pesquisador] publicou um trabalho, mas
seus resultados no laboratório
não persuadiram as pessoas de
que ele estava certo. Alguém me
mostrou esse trabalho quando eu
estava em Yale, e eu vi qual era o
problema -ele não entendia a
natureza dos vazamentos no sistema de vácuo, e eu entendi.
Começamos a fazer experimentos, e eles funcionaram. Em 1983
publicamos o primeiro trabalho.
Quatro anos mais tarde, trabalhamos com proteínas, e foi aí que,
dizem alguns, começou a revolução do eletrospray.
O campo tem crescido a uma
velocidade de tirar o fôlego, e é difícil acompanhar. Não sei como
estão as coisas no momento, estou tão confuso que [risos" nem
sei quem sou, nem onde estou.
Folha - O prêmio foi para ferramentas de pesquisa. O sr. vê o desenvolvimento de ferramentas, em
lugar de teorias, como uma tendência em ciências?
Fenn - Muitos dizem que toda
grande invenção em ciência deriva do desenvolvimento de uma
nova ferramenta. Certamente é
verdade em ciência experimental.
A ciência teórica é menos guiada
por ferramentas, mas o que eles
pensam não tem muito sentido
até que seja comprovado por uma
demonstração experimental.
A idéia de átomo foi desenvolvida pelos gregos, mas só dois séculos atrás os átomos foram identificados, caracterizados, e então começaram a fazer algum sentido.
Não sei, posso não estar falando
coisa com coisa. As ferramentas e
técnicas têm empurrado o avanço
da ciência. Veja o telescópio: Galileu inventou o telescópio, e veja o
que aconteceu!
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