São Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 2002

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EVOLUÇÃO

Artigo diz que fóssil de Toumaï é de um símio

Hominídeo de 7 milhões de anos abre guerra entre paleontólogos

DA REDAÇÃO

Estava demorando. Depois que o francês Michel Brunet agitou o mundo da paleontologia ao anunciar, em 11 de julho, a descoberta do mais antigo ancestral dos hominídeos -um crânio de 7 milhões de anos desenterrado no Chade-, um artigo científico publicado hoje afirma que o animal não passa de um macaco grande.
A pedrada naquela que chegou a ser considerada a maior descoberta feita na área nos últimos 80 anos veio na "Nature", a mesma revista científica que publicou o artigo original de Brunet.
Uma análise assinada pelo antropólogo Milford Wolpoff, da Universidade de Michigan (EUA), na seção de Comunicações Breves da "Nature" (www.nature.com), afirma que o Sahelanthropus tchadensis, mais conhecido como Toumaï (pronuncia-se "tumaí"), não tem as "características definidoras" dos chamados hominídeos, como a postura bípede.
Além disso, o formato dos dentes caninos do espécime estaria muito mais próximo do de uma fêmea de gorila que do de um hominídeo. Sem dó, Wolpoff intitula seu artigo de "Sahelanthropus [homem do Sahel] ou Sahelpithecus [macaco do Sahel]?"
Na mesma página do bombardeio, a revista publica uma resposta de Brunet, dizendo que Wolpoff e seus colaboradores ignoraram preceitos básicos de antropologia evolutiva na análise.
Por trás da polêmica se esconde uma batalha entre dois grupos de paleoantropólogos franceses rivais pela "propriedade" do hominídeo mais velho do mundo.
Um desses grupos é o de Brunet, da Universidade de Poitiers. O outro é liderado por Brigitte Senut, do Collège de France, que assina a crítica a Toumaï ao lado de Wolpoff. Em 2000 ela também havia feito estardalhaço ao anunciar na imprensa -antes da publicação formal- a descoberta do Orrorin tugenensis, fóssil de 6 milhões de anos que foi apelidado de "Homem do Milênio".
"Ele foi destronado alguns meses depois", disse à Folha a antropóloga suíço-boliviana Marcia Ponce de León, da Universidade de Zurique, co-autora do artigo que descreve Toumaï.
Senut, aliás, foi a primeira a sugerir, também para a mídia, que Toumaï era um gorila fêmea. E isso na mesma semana em que a descoberta foi anunciada.
"Uma das perguntas mais candentes entre caçadores de fósseis e cientistas é: quem achou o hominídeo mais antigo? O artigo é a defesa da posição do Orrorin como o primeiro." Para Ponce de León, "é difícil descrever detalhes de um espécime quando só se viram algumas fotos".
"Se você não pode tirar informações válidas de um artigo publicado na "Nature", por que ele foi publicado?" -questiona Wolpoff, uma das figuras mais polêmicas da paleoantropologia.
Mesmo achando que se trata de um grande macaco, Wolpoff reconhece a importância de Toumaï: "Seria o único fóssil do gênero na África entre 9,5 milhões de anos e o presente". (CA)


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