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O poder do hidrogênio
Combustível utilizado
pelas estrelas pode ser
a resposta para a produção
de energia para veículos
automotores sem recorrer
à emissão de gases
ligados ao efeito estufa
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Salvador Nogueira
free-lance para a Folha
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Quem não aguenta mais a fumaceira e a poluição atmosférica provocada por motores de
veículos pesados, como ônibus e caminhões,
pode começar a respirar aliviado em breve,
graças a uma tecnologia que há muitos anos já prometia
aposentar os motores de combustão interna alimentados por derivados do petróleo. Espera-se que até o final
de 2001 estejam circulando na Grande São Paulo os primeiros ônibus movidos a células de combustível ("fuel
cells", em inglês), versão ecologicamente correta -e incrementada- de uma bateria eletroquímica, como as
pilhas comuns. Só que, em vez de usar os produtos tóxicos das pilhas, essa célula é alimentada com o mesmo
combustível utilizado pelas estrelas: o hidrogênio.
Criadas para fornecer energia para as naves espaciais
tripuladas da Nasa (agência espacial dos EUA), as células de combustível eram convenientes por matar dois
problemas com um equipamento só: além de produzir
eletricidade, o sistema tinha como subproduto a água,
que os astronautas consumiam durante as missões.
No espaço, evitar a emissão de poluentes não é vantagem. Mas, na Terra, essa é a maior qualidade da célula
de combustível. Como ela funciona alimentada por hidrogênio e oxigênio, que ao final do processo se recombinam para formar água (veja quadro ao lado), o sistema não gera nenhum dos inconvenientes gases-estufa,
como o gás carbônico. O hidrogênio é a gasolina do futuro, totalmente amigável para o ambiente. Ou quase.
Não-poluente, "ma non troppo"
Se as células
em si não produzem resíduos tóxicos ou nocivos ao
ambiente, já não se pode dizer o mesmo da produção de
seu combustível, o hidrogênio. Formada por dois átomos iguais, a molécula de hidrogênio (H2) não é encontrada na Terra. O único jeito de obtê-la é tomar átomos
de hidrogênio de outras moléculas para formar H2.
As substâncias que oferecem mais hidrogênio pelo
menor custo são os hidrocarbonetos, arranjos de hidrogênio e carbono. O petróleo, por exemplo, é um hidrocarboneto. Mas não se pode roubar hidrogênio de hidrocarbonetos e sair impune. O preço é a recombinação
do carbono com oxigênio, produzindo gás carbônico.
Felizmente, há outro modo de obter a molécula fugidia. O segredo está em arrancar o hidrogênio de uma
substância que não tenha carbono. A resposta mais óbvia é usar água, que tem dois átomos de hidrogênio e
um de oxigênio. O problema é que quebrar essa molécula dá trabalho. É preciso gastar muita energia para separar os átomos, o que torna a produção de H2 por esse
método mais cara. Além do mais, se a eletricidade vem
de fonte poluente (como uma usina termelétrica, por
exemplo), mais carbono vai para a atmosfera.
Só países que têm energia produzida em hidrelétricas
ou usinas atômicas -que, apesar de oferecerem riscos
de vazamento de material radiativo e apresentarem o
problema do lixo atômico, em condições normais são
consideradas fontes de energia não-poluentes- podem abandonar o carbono. Mas precisam estar dispostos a gastar mais, para fazer hidrogênio com água.
Esse é o objetivo do primeiro projeto brasileiro de implantação da tecnologia de células de combustível em
um sistema de transporte coletivo. Criado pelo Ministério de Minas e Energia e financiado na maior parte pela
ONU, o programa entra em sua segunda fase em 2001.
A primeira fase, que durou dois anos e acabou em
abril, consistiu em estudos de viabilidade. A segunda
etapa, com custo de US$ 25 milhões, envolve a compra
de oito ônibus e de eletrolisadores, equipamentos para
fazer hidrogênio a partir da água, com eletricidade.
"A idéia é produzir durante a noite o hidrogênio que
será consumido durante o dia pelos ônibus", afirma a
física Marieta Mattos, responsável pela coordenação da
primeira fase. "Os ônibus elétricos atuais são mais caros
porque tiram sua energia dos fios no momento em que
estão circulando, no horário de pico do consumo de eletricidade. Como fabricaremos o hidrogênio de madrugada, estaremos produzindo o combustível no momento em que as tarifas de eletricidade são menores."
Os estudos feitos durante a primeira fase mostraram
que o custo por quilômetro rodado do ônibus movido a
hidrogênio fica entre o do trólebus (movido a eletricidade) e o do ônibus a diesel, o fumacento tradicional.
Enquanto o trólebus custa R$ 2,37 por quilômetro e o
ônibus a diesel, R$ 1,66, o ônibus movido a células de
combustível sai por R$ 2,21. "Ainda é mais caro que o
ônibus comum, mas as vantagens ambientais são tão
grandes que compensam o custo adicional", afirma
Mattos. Ela também não deixa de mencionar as maravilhas do sistema. "O motor a células de combustível não
esquenta, não trepida e não faz barulho."
Os oito ônibus, que colocarão São Paulo entre as poucas cidades que utilizam veículos movidos a células de
combustível para transporte coletivo (as únicas atualmente são Vancouver, no Canadá, e Chicago, nos
EUA), devem circular inicialmente até 2005, data em
que será encerrada a segunda fase. Ela servirá para testar a eficiência do sistema, com vistas à implantação de
um sistema maior (200 ônibus). Finalmente, em 2010, o
sistema deve chegar ao estágio de produção em série,
propiciando a substituição da atual frota de ônibus.
Economia do hidrogênio
Com a crescente necessidade de cortar a emissão de carbono na atmosfera e de
substituir o petróleo (que não vai durar para sempre)
como fonte de energia, vários países estão apostando no
hidrogênio como a fonte energética do século 21, apesar
de sua alta inflamabilidade. México, China, Egito e Índia estão entre os países em desenvolvimento que estão
tocando projetos similares ao brasileiro. Segundo a revista britânica "New Scientist", a Islândia pretende
substituir todos os seus veículos automotores por equivalentes movidos a hidrogênio até 2020.
Até mesmo a indústria do petróleo está se preparando
para a conversão. A Shell, por exemplo, já possui uma
divisão totalmente devotada a pesquisas com hidrogênio. A montadora DaimlerChrysler, além de fabricar
ônibus movidos a células de combustível, também está
investindo pesado na criação de carros com a mesma
tecnologia. A BMW é mais audaciosa e aposta em carros movidos com a própria combustão do hidrogênio,
em motores de explosão, de forma similar à que ocorre
com a gasolina no interior dos automóveis.
Em 1874, o escritor francês Júlio Verne, conhecido como o pai da ficção científica, afirmou em seu livro "A
Ilha Misteriosa" que, quando os combustíveis fósseis
fossem totalmente consumidos, o hidrogênio seria
"uma fonte inesgotável de luz e calor". Um século e
meio depois, parece que ele tinha mesmo razão.
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