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Livro aponta fraudes e enganos espetaculares da ciência, entre os quais a
dúvida sobre a relação HIV/Aids, como produtos inevitáveis da atividade
As ervas daninhas da pesquisa
Edward McSweegan
da "Salon"
0
S
urpreendentemente para várias
pessoas, muito da ciência é um
processo do tipo "macaco vê, macaco faz", no qual um cientista
executa um experimento e apresenta o
resultado a outros cientistas na forma de
uma publicação. Eles, por sua vez, repetem o experimento -em geral para auxiliar seu próprio trabalho e, às vezes, só
para ver se o experimento original funciona tal como anunciado. Só que às vezes não funciona.
"The Undergrowth of Science" (algo
como "A Vegetação Rasteira da Ciência"), livro de Walter Gratzer (Oxford
University Press, 272 págs., US$ 27,50),
trata desses momentos em que as afirmações da ciência simplesmente não se
sustentam. Cientistas não perdem tempo em apontar que isso é incomum, que
a ciência é um processo que se autocorrige, no qual veracidade e realidade são determinadas pela possibilidade de reproduzir experimentos e pelo poder de previsão de teorias abstratas.
O que eles não dizem é que a ciência
precisa ser autocorretora por conta dos
próprios cientistas. Assim como pessoas
em outras profissões, cientistas podem
ser suscetíveis a auto-engano, vaidade,
excesso de pensamento positivo, coerção
ideológica e fraude.
A fraude científica é, por si só, um fenômeno interessante. Livros têm sido escritos sobre vários casos famosos, e muitos
provavelmente seguirão. Em outubro,
por exemplo, um arqueólogo japonês
admitiu ter "plantado" artefatos em um
sítio de escavação, para poder declarar
ter encontrado as ferramentas mais antigas do Japão. Não sendo nenhum Indiana Jones, ele foi pego em videoteipe.
Gratzer está mais interessado nas fraudes não-intencionais, que sorrateiramente invadem a ciência, e nas necessidades políticas e psicológicas que compelem alguns cientistas a se agarrarem a
falsas crenças, mesmo diante do que sugere o bom senso e de evidência científica contrária.
Cientistas têm primeiro de se iludir,
para poder iludir os outros. Nacionalismo, ou "ilusão tribal", frequentemente
ajuda nos dois tipos de engano, como
mostra Gratzer no famoso caso dos raios
alemães contra os raios franceses.
No final do século 19, cientistas estavam começando a dissecar os misteriosos mundos da radioatividade, da luz e
do átomo. Em 1895, um físico alemão
chamado Wilhelm Roentgen descobriu
uma nova e poderosa radiação, que ele
chamou de raios X.
René Blondlot, físico francês de alto
conceito, ao estudar os raios X de Roentgen, se convenceu que havia encontrado
uma outra forma de radiação. Ele a denominou "raios N", para homenagear
sua universidade em Nancy. Depois,
usou seus experimentos para convencer
cientistas franceses.
Guerra de raios
Cientistas estrangeiros, inclusive os alemães, se mostraram céticos. Em parte por causa das críticas alemãs, os franceses rapidamente
cerraram fileiras em torno de Blondlot.
Os alemães haviam invadido a França 30
anos antes, anexando terras francesas, e
ambos os lados ainda travavam batalhas
acadêmicas, na linha de "nossa ciência é
melhor do que a de vocês".
A guerra fronteiriça de raios terminou
em 1904, quando um físico americano,
incapaz de repetir as observações de
Blondlot, apontou os erros experimentais e as interpretações subjetivas do resultado. Mas Blondlot continuou a discretamente trabalhar nos imaginários
raios N até sua morte, em 1930.
Outra entidade fictícia que ocupou
muitos cientistas competentes foi a poliágua. Um químico russo descobriu essa
forma viscosa de água natural nos anos
60. Suas propriedades pouco usuais
preocuparam algumas pessoas (ao menos aquelas que haviam lido o conto de
Kurt Vonnegut sobre uma estranha forma de gelo, o gelo IX, que cristalizou os
oceanos do globo terrestre).
A poliágua poderia transformar os
oceanos numa gelatina viscosa? Conseguiria impedir navios de guerra de flutuar, acabaria com o surfe? Centenas de
cientistas começaram a estudar a poliágua e a publicar artigos sobre ela.
A pesquisa sofreu uma parada súbita
quando Dennis Rousseau, dos Laboratórios Bell, torceu sua malha de ginástica
cheia de suor em um tubo de vidro e descobriu que seu suor salgado e cheio de
proteína tinha as mesmas propriedades
da poliágua.
Irving Langmuir, um denunciante pioneiro da má pesquisa, chamou de "ciência patológica" a negligência fantasiosa
dos raios N, da poliágua e de outros mitos. Os estudos de caso em "The Undergrowth of Science" certamente sustentam essa avaliação: o apoio desastrado
da Universidade de Utah à fusão fria numa garrafa térmica, os remédios evanescentes da homeopatia, a radiação à moda
de "Jornada nas Estrelas" emitida por
embriões, esforços pré-Viagra para restabelecer a juventude e a vitalidade com
transplantes de testículos de macaco e
outros atos de ciência estranha.
Vírus intelectual
Gratzer refaz os
passos pelos quais os pesquisadores se
iludem: "O germe do episódio patológico é em geral um erro inocente ou uma
miragem experimental. O autor se persuade de que realizou uma grande descoberta, que lhe trará fama e progresso
na carreira. Uma vez comprometido, é
difícil voltar atrás e admitir os princípios
de cautela e ceticismo que o treino e a experiência normalmente inculcam para
sobrepujar a excitação e a euforia de um
brilhante sucesso".
Gratzer, um resenhista frequente na revista "Nature" e autor de "The Literary
Companion to Science", reuniu com habilidade uma coleção fascinante de más
idéias em física, medicina, química, genética e biologia. Muitas delas provêm de
indivíduos cujas crenças falsas conseguem espalhar-se pela comunidade científica como um "vírus intelectual".
O vírus ainda está à solta, pronto para
infectar os suscetíveis. Hoje, por exemplo, um punhado de pesquisadores e de
políticos nega que o HIV cause Aids. Uns
poucos "cientistas ermitões" ainda pelejam com a fusão fria. Percival Lowell viu
canais em Marte, e seus herdeiros hoje lá
encontram rostos gigantes e pirâmides.
Vários pesquisadores médicos anunciaram recentemente ter encontrado
bactérias extremamente pequenas -nanobactérias- que pareciam causar pedras nos rins das pessoas. No mês passado, outros reproduziram seu trabalho e
concluíram que "a evidência bacteriológica crível ... está penosamente ausente".
Atribuíram a formação de cálculos renais a processos comuns de cristalização.
Será que as nanobactérias vão desaparecer, agora, ou continuarão a existir nos
laboratórios de uns poucos cientistas devotados?
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