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MEDICINA
Pesquisa brasileira com 35 pessoas mostra que interrupções em tratamento beneficiam um terço dos pacientes
Medicação intermitente pode combater HIV
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Parar de tomar o coquetel de
medicamentos contra o vírus causador da Aids não é necessariamente algo ruim -contanto que
o paciente siga as instruções do
médico e não se aventure a interromper o tratamento sozinho.
Essa conclusão veio de um estudo feito por Domingos Matos, 36,
médico da Universidade Federal
do Pará. A partir da observação de
35 pacientes entre julho de 1999 e
meados de 2000, ele constatou
que um terço dos pacientes é beneficiado por uma parada de três
meses no consumo das drogas.
Orientado por Ricardo Diaz, da
Universidade Federal de São Paulo, Matos fez dessa pesquisa seu
estudo de doutorado. Os resultados são importante referência para os médicos decidirem se e
quando devem seguir uma estratégia de interrupção estruturada
ao receitar drogas contra o HIV.
Esse método começou a ser introduzido no rol das formas de
combater o vírus em 1999, quando começaram a aparecer variantes do HIV que já não eram mais
sensíveis aos medicamentos existentes. A idéia dos médicos foi então incitar, ao menos temporariamente, uma guerra entre as versões fracas do vírus, que estavam
sucumbindo ao tratamento, e as
versões resistentes, cada vez em
maior número no organismo.
Ao interromper o tratamento,
os vírus sem resistência voltariam
a proliferar e a competir com os
insensíveis. Se eles vencessem essa batalha, bastaria reintroduzir o
mesmo medicamento algum
tempo depois para que ele voltasse a reduzir a contagem viral no
organismo -matando os vencedores da guerra dos vírus.
Desde 1999, outras drogas surgiram e a estratégia da interrupção segue em debate. "Ela não é
recomendada como um consenso
de terapia", diz Matos.
O estudo brasileiro, junto com
outros dois, feitos na Alemanha e
nos EUA, coloca a questão sob
um prisma realista. Não diz que é
a melhor coisa do mundo, mas
aponta a possibilidade de resultados positivos, no caso de esgotamento das alternativas.
Claro que as variáveis para a
melhor estratégia de interrupção
ainda estão longe de esclarecidas.
Na pesquisa de Matos, foi adotada
uma parada de três meses. No estudo alemão, foram dois meses. E
há médicos que tentam estratégias as mais variadas, como interrupção aos fins de semana ou
mesmo semanas alternadas com
ou sem o medicamento.
O médico da UFPA usa uma
metáfora futebolística para explicar a variação no tempo de interrupção. "Imagine que temos a
torcida do Flamengo e a do América. Se tirarmos a comida dos flamenguistas, quanto tempo vai levar para que os torcedores americanos os superem em número?
Esse é o período em que podemos
realizar a interrupção", diz.
Para ele, em condições ideais, o
método funcionaria melhor em
pacientes que tivessem um quadro estável, com baixa contagem
de vírus e forte presença de células
de defesa. Mas, por razões éticas,
não se pode fazer experimentos
de interrupção com esses pacientes. Todos os 35 estudados já não
respondiam mais aos tratamentos convencionais quando foram
escalados para a pesquisa.
"Acho que a contribuição do
nosso trabalho é que no passado
parecia um crime parar de tomar
a droga. Hoje, se um médico propuser isso ao paciente, ele não tem
medo, sabe que não vai morrer
amanhã", diz Matos. A pesquisa
foi divulgada na edição deste mês
da revista "Pesquisa Fapesp" (revistapesquisa.fapesp.br).
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