São Paulo, quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004

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MEDICINA

Pesquisa brasileira com 35 pessoas mostra que interrupções em tratamento beneficiam um terço dos pacientes

Medicação intermitente pode combater HIV

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Parar de tomar o coquetel de medicamentos contra o vírus causador da Aids não é necessariamente algo ruim -contanto que o paciente siga as instruções do médico e não se aventure a interromper o tratamento sozinho.
Essa conclusão veio de um estudo feito por Domingos Matos, 36, médico da Universidade Federal do Pará. A partir da observação de 35 pacientes entre julho de 1999 e meados de 2000, ele constatou que um terço dos pacientes é beneficiado por uma parada de três meses no consumo das drogas.
Orientado por Ricardo Diaz, da Universidade Federal de São Paulo, Matos fez dessa pesquisa seu estudo de doutorado. Os resultados são importante referência para os médicos decidirem se e quando devem seguir uma estratégia de interrupção estruturada ao receitar drogas contra o HIV.
Esse método começou a ser introduzido no rol das formas de combater o vírus em 1999, quando começaram a aparecer variantes do HIV que já não eram mais sensíveis aos medicamentos existentes. A idéia dos médicos foi então incitar, ao menos temporariamente, uma guerra entre as versões fracas do vírus, que estavam sucumbindo ao tratamento, e as versões resistentes, cada vez em maior número no organismo.
Ao interromper o tratamento, os vírus sem resistência voltariam a proliferar e a competir com os insensíveis. Se eles vencessem essa batalha, bastaria reintroduzir o mesmo medicamento algum tempo depois para que ele voltasse a reduzir a contagem viral no organismo -matando os vencedores da guerra dos vírus.
Desde 1999, outras drogas surgiram e a estratégia da interrupção segue em debate. "Ela não é recomendada como um consenso de terapia", diz Matos.
O estudo brasileiro, junto com outros dois, feitos na Alemanha e nos EUA, coloca a questão sob um prisma realista. Não diz que é a melhor coisa do mundo, mas aponta a possibilidade de resultados positivos, no caso de esgotamento das alternativas.
Claro que as variáveis para a melhor estratégia de interrupção ainda estão longe de esclarecidas. Na pesquisa de Matos, foi adotada uma parada de três meses. No estudo alemão, foram dois meses. E há médicos que tentam estratégias as mais variadas, como interrupção aos fins de semana ou mesmo semanas alternadas com ou sem o medicamento.
O médico da UFPA usa uma metáfora futebolística para explicar a variação no tempo de interrupção. "Imagine que temos a torcida do Flamengo e a do América. Se tirarmos a comida dos flamenguistas, quanto tempo vai levar para que os torcedores americanos os superem em número? Esse é o período em que podemos realizar a interrupção", diz.
Para ele, em condições ideais, o método funcionaria melhor em pacientes que tivessem um quadro estável, com baixa contagem de vírus e forte presença de células de defesa. Mas, por razões éticas, não se pode fazer experimentos de interrupção com esses pacientes. Todos os 35 estudados já não respondiam mais aos tratamentos convencionais quando foram escalados para a pesquisa.
"Acho que a contribuição do nosso trabalho é que no passado parecia um crime parar de tomar a droga. Hoje, se um médico propuser isso ao paciente, ele não tem medo, sabe que não vai morrer amanhã", diz Matos. A pesquisa foi divulgada na edição deste mês da revista "Pesquisa Fapesp" (revistapesquisa.fapesp.br).


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