São Paulo, segunda-feira, 11 de março de 2002

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ARQUEOLOGIA

Pesquisadores começam hoje a escavar vilas de mineração do século 18 no vale do Guaporé, em Mato Grosso

Estudo resgata cidades do ciclo do ouro

Reprodução/"Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial", de Nestor Reis
Planta de Vila Bela do período áureo da mineração em Mato Grosso, mostrando detalhes da cidade e das regiões próximas e revelando o cuidado e planejamento do Reino ao explorar esse posto avançado da dominação lusitana no Brasi


CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Arqueólogos começam hoje a trazer à superfície um pedaço em boa parte ignorado da história do Brasil: as cidades "perdidas" do vale do Guaporé, em Mato Grosso. Eles passarão os próximos meses mapeando e escavando os arraiais de mineração erguidos durante o ciclo do ouro no século 18 -hoje engolidos pela selva- que, além de encher os cofres da Coroa portuguesa, demarcaram a fronteira ocidental do país.
O projeto de pesquisa -batizado, não por acaso, de Fronteira Ocidental- deve ajudar a entender o avanço português sobre o então território espanhol, a ocupação das cidades mineiras e seu abandono, no século 19.
"Outra coisa que esperamos é obter elementos para discutir o que é e o que não é tombável no patrimônio histórico da região", disse à Folha o arqueólogo Paulo Zanettini, que coordena a pesquisa juntamente com Erika González, do MAE-USP (Museu de Arqueologia e Etnologia da USP).
Os pesquisadores também querem iniciar um estudo sistemático de sítios pré-históricos na região, virtualmente desconhecidos dos arqueólogos. No vale do Guaporé, região ocupada na época colonial por nações falantes de línguas do tronco jê, foram encontrados supostos vestígios humanos datados em 19 mil anos. "Devemos encontrar boas surpresas nos sítios pré-coloniais, porque se trata de uma região de ocupação muito antiga e próxima da zona de influência dos povos andinos", afirmou González.

Brasília colonial
Os trabalhos de escavação começam na cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade, às margens do Guaporé. Apesar de ter pouco mais que 2.700 habitantes e só possuir estradas de terra até o ano passado, Vila Bela foi um dos núcleos estratégicos da colonização portuguesa no século 18.
A cidade, que completa 250 anos no próximo dia 19, é a antiga sede da Capitania do Mato Grosso, cujos domínios se estendiam até Rondônia. Ela nasceu no bojo de um engenhoso golpe diplomático para faturar em cima da expansão dos bandeirantes para as minas do Cuiabá e, ao mesmo tempo, dar um empurrãozinho para oeste na linha do Tratado de Tordesilhas.
Vila Bela foi fundada pelo capitão-geral Antônio Rolim de Moura em 1752, num lugar ermo, à beira do rio, com o propósito exclusivo de servir de capital. "Era uma espécie de Brasília do século 18", afirma Zanettini. "Tinha elementos de arquitetura monumental, para ser avistada de longe, como um sinal claro de que aquilo era território português."
Como toda capital, Vila Bela possuía um palácio, uma matriz -que nunca chegou a ser concluída- e até uma ópera. "No meio da Revolução Francesa [1789] tinha gente ouvindo ópera em plena selva", diz Zanettini.
Hoje, tudo o que resta da antiga capital são as ruínas da igreja e do palácio, tombadas pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Mas os pesquisadores apostam em tesouros na parte ocupada da cidade.
"Existe um velho hábito brasileiro de só tombar os símbolos do poder", diz Zanettini. "Mas há espaços públicos e privados, onde hoje você encontra objetos históricos", afirma, citando como exemplo a abertura de uma rua na cidade, durante a qual cacos de louça colonial brotaram do solo.
Vila Bela tem, ainda, o que o pesquisador chama de "patrimônio imaterial" a ser resgatado. Devido ao afluxo de escravos para lá no século 18 e a fuga da elite portuguesa para Cuiabá com a falência das minas, no século 19, a região tem população majoritariamente negra. "Essas pessoas querem entender o passado delas", diz Zanettini.
Para explorar a cidade, os pesquisadores conseguiram financiamento da Fapemat (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso) para montar uma planta digital de todas as suas 92 quadras -1 milhão de metros quadrados- usando mapas de 1773, 1777, 1789 e 1981.
Munidos da planta, que registra todas as mudanças no espaço urbano desde o início da vila, eles deverão procurar os vestígios da antiga Vila Bela usando um GPR (radar de penetração de solo), que permite saber o que está enterrado sem a necessidade de abrir buracos em quintais alheios. "A arqueologia é sempre destrutiva, e esse é um método não-invasivo", diz González. Os moradores desse antigo território agradecem.



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