São Paulo, quinta-feira, 11 de julho de 2002

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EVOLUÇÃO

Primata que viveu há cerca de 7 milhões de anos na África Central altera forma como se vê a origem do homem

Grupo acha mais velho ancestral humano

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O nebuloso momento evolutivo no qual os ancestrais da humanidade deram adeus a seus parentes macacos acaba de ficar menos obscuro. Um fóssil com idade estimada entre 6 milhões e 7 milhões de anos pode ser o tataravô no álbum da família dos hominídeos -à qual pertence o Homo sapiens moderno.
Encontrado num deserto do Chade, na África Central, o Sahelanthropus tchadensis está, é verdade, um tanto desconjuntado -por enquanto, há apenas um crânio e alguns dentes e fragmentos de mandíbula para representar a nova espécie.
Mesmo assim, só a cabeça do sujeito -um macho apelidado de Toumai, "esperança de vida" no idioma africano goran- já é o suficiente para mudar a forma como a ciência vê a história evolutiva humana. Vivendo à beira de um lago que nutria florestas e campos onde pastavam seres como o Hipparion (um cavalo pré-histórico de três dedos), ele abre uma nova janela para esse mundo.
"Nós sempre nos perguntamos como o homem se relaciona com os outros galhos da árvore da vida", diz o antropólogo Bernard Wood, da Universidade George Washington (EUA). "Esse fóssil mostra que a nossa evolução não foi nem um pouco mais linear do que a de outros seres vivos."
Wood comentou a descoberta do S. tchadensis para a revista científica "Nature" (www.nature.com), que a publicou hoje num clima de segurança máxima: os autores da pesquisa, um grupo internacional liderado pelo francês Michel Brunet, da Universidade de Poitiers, estavam inacessíveis para a imprensa e só puderam falar sobre Toumai numa entrevista coletiva no próprio Chade. "É uma descoberta maravilhosa. Este é o mais antigo hominídeo. Como ele tem 7 milhões de anos, a divergência entre humanos e chimpanzés deve ser ainda mais antiga do que nós achávamos", declarou Brunet.

Adeus, elo perdido
Para Wood, porém, Toumai mais complica do que explica. É que a criatura combina traços muito antigos -um cérebro provavelmente igual ao de um chimpanzé de hoje- com outros teoricamente à frente do seu tempo, como a mandíbula pouco proeminente, menor que a dos hominídeos posteriores, os australopitecos -até agora considerados os ancestrais diretos do homem.
"Ele simplesmente não é o que nós esperaríamos", diz Wood. "Um hominídeo dessa idade teria uma ou duas coisinhas que o aproximariam de nós, mas o que nós temos é algo que, visto de trás, parece um chimpanzé, mas de frente é muito moderno, como se tivesse uns dois milhões de anos", afirma o pesquisador inglês.
"Por isso, não dá para saber se essas semelhanças são reais ou apenas superficiais, causadas por evolução convergente [na qual as espécies ficam parecidas por se adaptar ao mesmo ambiente, e não porque sejam aparentadas"", pondera Wood. Ou seja, seria o fim do conceito "elo perdido", que enxerga uma transição gradual e segura entre formas humanas "primitivas" e "modernas".
Dan Lieberman, da Universidade Harvard, é ainda mais radical: "Na verdade, eu acho que isso pode significar que toda a linhagem de australopitecos era um ramo lateral da evolução dos hominídeos, enquanto o Sahelanthropus representaria o grupo que realmente deu origem ao homem", afirma. Quer dizer que esse seria o tão procurado primeiro ancestral da humanidade?
"Você nunca vai achar o primeiro hominídeo", diz Lieberman, rindo. "Essa é a questão errada a se fazer. O aparecimento de traços parecidos em espécies não-relacionadas deve ter sido muito grande, o que impede você de dizer "ah, este aqui é nosso ancestral'", argumenta.
Contudo, Tim White, da Universidade da Califórnia em Berkeley, diz não engolir a suposta modernidade do S. tchadensis. "Chamar essa face de "moderna" é bobagem. É uma face curta, mas muito protuberante, não menos do que as dos australopitecos que vieram depois, e os dentes são mais primitivos que os de qualquer outro hominídeo", afirma.
Para White, Toumai não cria uma bagunça na família hominídea: "Esse organismo e os que vieram depois dele nos dão agora um registro no qual formas cada vez mais primitivas aparecem conforme você se aproxima do passado. Darwin está sorrindo. Acho que esse crânio é um bom representante de nossos ancestrais há 6 milhões ou 7 milhões de anos".



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