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EVOLUÇÃO
Primata que viveu há cerca de 7 milhões de anos na África Central altera forma como se vê a origem do homem
Grupo acha mais velho ancestral humano
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O nebuloso momento evolutivo no qual os ancestrais da humanidade deram adeus a seus parentes macacos acaba de ficar menos obscuro. Um fóssil com idade estimada entre 6 milhões e 7 milhões de anos pode ser o tataravô
no álbum da família dos hominídeos -à qual pertence o Homo
sapiens moderno.
Encontrado num deserto do
Chade, na África Central, o Sahelanthropus tchadensis está, é verdade, um tanto desconjuntado
-por enquanto, há apenas um
crânio e alguns dentes e fragmentos de mandíbula para representar a nova espécie.
Mesmo assim, só a cabeça do
sujeito -um macho apelidado de
Toumai, "esperança de vida" no
idioma africano goran- já é o suficiente para mudar a forma como
a ciência vê a história evolutiva
humana. Vivendo à beira de um
lago que nutria florestas e campos
onde pastavam seres como o Hipparion (um cavalo pré-histórico
de três dedos), ele abre uma nova
janela para esse mundo.
"Nós sempre nos perguntamos
como o homem se relaciona com
os outros galhos da árvore da vida", diz o antropólogo Bernard
Wood, da Universidade George
Washington (EUA). "Esse fóssil
mostra que a nossa evolução não
foi nem um pouco mais linear do
que a de outros seres vivos."
Wood comentou a descoberta
do S. tchadensis para a revista
científica "Nature" (www.nature.com), que a publicou hoje num clima de segurança máxima: os
autores da pesquisa, um grupo internacional liderado pelo francês
Michel Brunet, da Universidade
de Poitiers, estavam inacessíveis
para a imprensa e só puderam falar sobre Toumai numa entrevista
coletiva no próprio Chade. "É
uma descoberta maravilhosa. Este é o mais antigo hominídeo. Como ele tem 7 milhões de anos, a
divergência entre humanos e
chimpanzés deve ser ainda mais
antiga do que nós achávamos",
declarou Brunet.
Adeus, elo perdido
Para Wood, porém, Toumai
mais complica do que explica. É
que a criatura combina traços
muito antigos -um cérebro provavelmente igual ao de um chimpanzé de hoje- com outros teoricamente à frente do seu tempo,
como a mandíbula pouco proeminente, menor que a dos hominídeos posteriores, os australopitecos -até agora considerados os
ancestrais diretos do homem.
"Ele simplesmente não é o que
nós esperaríamos", diz Wood.
"Um hominídeo dessa idade teria
uma ou duas coisinhas que o
aproximariam de nós, mas o que
nós temos é algo que, visto de trás,
parece um chimpanzé, mas de
frente é muito moderno, como se
tivesse uns dois milhões de anos",
afirma o pesquisador inglês.
"Por isso, não dá para saber se
essas semelhanças são reais ou
apenas superficiais, causadas por
evolução convergente [na qual as
espécies ficam parecidas por se
adaptar ao mesmo ambiente, e
não porque sejam aparentadas"",
pondera Wood. Ou seja, seria o
fim do conceito "elo perdido",
que enxerga uma transição gradual e segura entre formas humanas "primitivas" e "modernas".
Dan Lieberman, da Universidade Harvard, é ainda mais radical:
"Na verdade, eu acho que isso pode significar que toda a linhagem
de australopitecos era um ramo
lateral da evolução dos hominídeos, enquanto o Sahelanthropus
representaria o grupo que realmente deu origem ao homem",
afirma. Quer dizer que esse seria o
tão procurado primeiro ancestral
da humanidade?
"Você nunca vai achar o primeiro hominídeo", diz Lieberman,
rindo. "Essa é a questão errada a
se fazer. O aparecimento de traços
parecidos em espécies não-relacionadas deve ter sido muito
grande, o que impede você de dizer "ah, este aqui é nosso ancestral'", argumenta.
Contudo, Tim White, da Universidade da Califórnia em Berkeley, diz não engolir a suposta modernidade do S. tchadensis. "Chamar essa face de "moderna" é bobagem. É uma face curta, mas
muito protuberante, não menos
do que as dos australopitecos que
vieram depois, e os dentes são
mais primitivos que os de qualquer outro hominídeo", afirma.
Para White, Toumai não cria
uma bagunça na família hominídea: "Esse organismo e os que vieram depois dele nos dão agora um
registro no qual formas cada vez
mais primitivas aparecem conforme você se aproxima do passado.
Darwin está sorrindo. Acho que
esse crânio é um bom representante de nossos ancestrais há 6
milhões ou 7 milhões de anos".
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