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54ª REUNIÃO ANUAL DA SBPC
Estudos apresentados durante evento em Goiânia aliam entendimento de processos neurológicos e exploração da biodiversidade
Grupo desenvolve analgésico com planta
RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL A GOIÂNIA
Um novo analgésico capaz de controlar a dor de modo diferente
daqueles mais usados e conhecidos, como a morfina, foi descoberto em uma planta comum no sul do Brasil. E o entendimento do complexo processo pelo qual se
sente dor está recebendo grande ajuda do estudo do veneno produzido por aranhas e escorpiões.
Esses três exemplos de pesquisa
mostrados ontem em um simpósio na 54ª Reunião Anual da SBPC
(Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) estão não só
aumentando o conhecimento
científico sobre a dor e a inflamação, como também indicam o caminho para o aproveitamento da
grande biodiversidade do país, segundo os pesquisadores.
A possível nova droga contra a
dor foi retirada da planta casca-de-anta, nome científico Drimys
brasiliensis, e batizada como drimanial pela equipe de João Batista Calixto, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). A
droga foi testada em animais de
laboratório e foi verificado que
ela interfere no caminho bioquímico ligado ao glutamato, substância capaz de causar dor forte.
"Os laboratórios estão procurando analgésicos que não tenham efeitos colaterais", disse
Calixto. Outras substâncias capazes de afetar o glutamato têm efeitos assim, pois o processo envolve
uma cascata de reações, com distintas ações no organismo. Já o
drimanial, por bloquear apenas
uma outra substância "receptora", teria menos efeitos.
"É um produto novo, com uma
ação nova", diz ele. Mas o mais
interessante da descoberta é o seu
papel em ilustrar o aproveitamento da biodiversidade: primeiro os cientistas fizeram trabalhos
básicos sobre como se transmite a
dor, para depois rastrear a droga
que poderia agir no processo.
"A pesquisa básica foi fundamental para se chegar à parte
aplicada", diz o pesquisador de
Santa Catarina.
Os estudos com aranhas e escorpiões, apesar de serem úteis
para o eventual aperfeiçoamento
do tratamento às picadas desses
aracnídeos, contribuem para o
entendimento da inflamação, já
que um processo assim se desenvolve depois da picada.
Por exemplo, 90% das vítimas
da aranha armadeira (Phoneutria
nigriventer) têm dor local intensa.
A morte é rara, mas pode acontecer em crianças. Os pesquisadores, ao longo dos anos, foram descobrindo o efeito do veneno no
sistema nervoso, por exemplo
agindo nos canais de transmissão
do impulso nervoso.
Edson Antunes, da Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas), e seus colegas descobriram o principal componente desse mecanismo "neurogênico" de
ação do veneno, e descreveram
sua ação no complexo de reações
bioquímicas da dor e inflamação.
Essas pesquisas podem apontar
para novas terapias, diz Antunes,
inclusive uma para edemas originários de problema neurogênico.
Já o veneno do escorpião amarelo (Tityus serrulatus) tem um
efeito diferente, segundo Mauro
Martins Teixeira, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Enquanto, por exemplo, o
veneno da aranha bloqueia canais
de cálcio, o do escorpião vai ativá-los, dando origem a um "efeito
cascata" no sistema nervoso que
causa o edema inflamatório.
"Tudo nessa área é muito recente", afirma Calixto. Por essa razão,
fronteiras entre a pesquisa básica
e a aplicada ainda não são muito
claras. "Mas a pesquisa básica é
fundamental para se chegar à parte aplicada", diz ele.
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