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GENÉTICA
Equipe da USP descobre que molécula de função misteriosa pode ser usada para prognosticar agressividade de tumor
RNA desprezado prediz retorno de câncer
CRISTINA AMORIM
ENVIADA ESPECIAL A FLORIANÓPOLIS
Uma equipe de pesquisadores
ligada ao Instituto de Química da
USP (Universidade de São Paulo)
quer usar partes em geral desprezadas do genoma para definir se
um paciente com câncer de próstata pode vir a desenvolver metástase anos depois de retirar o tumor cirurgicamente.
De cara, a proposta pode parecer maluca. Afinal, como trabalhar com um material considerado pouco menos que um figurante no filme genômico? No entanto, a primeira fase de testes, iniciada em 2002 e encerrada no começo deste ano, mostra que a idéia
pode funcionar. Os resultados foram publicados no fim de agosto
no periódico científico "Oncogene" (www.nature.com/onc) e
apresentados no 50º Congresso
Brasileiro de Genética, encerrado
ontem em Florianópolis (SC).
Garranchos preciosos
Diferentemente do que muita
gente ainda pensa, a seqüência genética do homem ainda não foi
totalmente decifrada -por enquanto, o genoma é como um livro que possui um emaranhado
de letras, mas apenas algumas palavras e frases compreensíveis.
Os geneticistas ainda têm dúvidas sobre como funcionam partes
da estrutura do DNA, como os
chamados íntrons. Os íntrons são
trechos de DNA que não fazem
parte da receita para a fabricação
das proteínas (moléculas que fazem tudo no organismo). Eles separam os éxons, considerados o
"filé mignon" da genômica por
guardarem os trechos do gene cujas instruções realmente podem
ser lidas na síntese protéica.
Os éxons e íntrons intercalados
formam a famosa fita em formato
de hélice da molécula de DNA. Só
que ela é uma hélice dupla: a fita
onde está o gene tem o nome de
senso; a segunda é chamada de
anti-senso, pois complementa a
primeira e se encaixa nela.
Foi justamente no trecho esquecido do genoma -os íntrons anti-senso- que os pesquisadores
obtiveram respostas positivas
com tecido tumoral.
Ecos do desconhecido
Em 2001, a revista científica
"Science" publicou um artigo do
Instituto Nacional do Câncer, dos
EUA, que mostrava haver dez vezes mais atividade fora dos éxons
-uma pista de que o tal DNA
inútil tinha algum papel, ignorado pelos cientistas.
Em março de 2004, um grupo
americano demonstrou que metade dessa atividade vinha dos íntrons anti-senso. "Nós fomos os
primeiros a mostrar que tal atividade está relacionada ao grau de
malignidade do câncer", diz Sergio Verjovski-Almeida, da USP.
A equipe de Almeida montou
um chip de DNA, uma placa com
pedaços de gene. Ela continha
4.000 fragmentos -metade
éxons, com função conhecida,
metade íntrons.
A idéia era usar o chip para
"pescar" genes expressos (ativados) em tumores. Foram encontrados 56 fragmentos. "Entre eles,
40% não tinham similaridade
com genes conhecidos, e eram ativados no íntron anti-senso", disse
à Folha o biólogo Eduardo Reis,
que participou do estudo. "Além
disso, havia expressões diferentes
para os tumores agressivos e os
não-agressivos."
Tal característica pode ajudar os
patologistas a determinar com
exatidão o grau de malignidade
do tumor. Atualmente, os exames
da célula cancerígena não conseguem precisar se novos tumores
surgirão em alguns anos.
A análise foi realizada com
amostras de tumores de 27 pacientes, obtidas no Instituto Nacional do Câncer, no Rio, e no
Hospital Sírio-Libanês, em São
Paulo. "Como nem todas as
amostras têm mais de cinco anos
-período em que se espera que a
malignidade do tumor se mostre
evidente e o paciente apresente
uma metástase- não pudemos
ainda determinar o grau de eficiência da técnica", explica Reis.
A equipe quer resolver a questão na próxima etapa do projeto,
que já obteve um financiamento
de US$ 400 mil da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo). Serão analisadas 400 amostras, todas com histórico de mais de cinco anos de
acompanhamento do paciente no
Hospital Sírio-Libanês.
Uma patente também foi depositada pela Fapesp no Instituto
Nacional da Propriedade Industrial em junho. O câncer de próstata afeta 20 mil homens e mata
7.000 por ano no Brasil. É o segundo tipo de tumor que mais
mata homens no país -perde
apenas para o de pulmão.
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