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AMBIENTE
Animais que morreram nas Canárias tinham sintomas de descompressão e podem ter emergido para fugir de som
Sonar desorienta e encalha baleias, afirma pesquisa
Patrick Guigueno/France Presse - 30.out.2000
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Baleia-bicuda morta após encalhar em Pen Ermalo, na Bretanha |
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Donas de um dos ouvidos mais
sensíveis do reino animal, as baleias podem estar encalhando e
morrendo em massa por causa
desse sentido aguçado. E o vilão,
sugerem pesquisadores espanhóis e britânicos, são os exercícios militares feitos com sonar.
O grupo conseguiu correlacionar a morte de 14 baleias-bicudas
com uso de sonar em exercícios
da Otan (Organização do Tratado
do Atlântico Norte), liderados pela Espanha nas ilhas Canárias, em
24 de setembro do ano passado.
Os bichos começaram a encalhar cerca de quatro horas depois
do início dos testes e apresentavam vários dos seus órgãos cheios
de bolhas de ar. É um sintoma de
descompressão, mal que acomete
os mergulhadores que sobem rápido demais à superfície. Esse padrão de danos internos também
apareceu em baleias e golfinhos
que encalharam no Reino Unido
nos últimos dez anos.
Ainda é difícil explicar como o
sonar pode ter afetado os animais
de forma tão violenta, mas o fato é
que todo cuidado é pouco. "O Ministério da Defesa espanhol suspendeu todas as manobras militares nessa zona até que se esclareçam definitivamente as causas do
encalhe e da morte desses cetáceos [ordem de mamíferos a que
pertencem baleias e golfinhos]",
afirmou à Folha o veterinário espanhol Antonio Fernández, 44, da
Universidade de Las Palmas de
Gran Canaria.
Ao lado de seu colega britânico
Paul Jepson, da Sociedade Zoológica de Londres, Fernández coordenou o estudo que está na última
edição da revista científica "Nature" (www.nature.com).
O pesquisador diz não acreditar
que os exercícios militares sejam a
principal causa de encalhamento
de baleias. "Mas o problema continua a se repetir em associação
com as manobras. É a terceira vez
que ocorre a mesma coisa na ilha
de Fuerteventura", exemplifica. A
outra ilha em que o encalhamento
ocorreu foi a de Lanzarote, onde
vive o escritor português e Prêmio
Nobel José Saramago.
Baleias com dentes
As baleias que terminaram seus
dias nas praias das Canárias estão,
na verdade, mais para golfinhos
grandes. Assim como eles, possuem dentes afiados (ao contrário
das imensas baleias filtradoras
que trocaram os seus por barbatanas ao longo da evolução) e se alimentam de peixes e outros animais marinhos, não chegando a
mais de 7,5 m do focinho à cauda
e três toneladas de peso.
Três espécies estavam entre as
vítimas: a baleia-bicuda-de-cuvier (Ziphius cavirostris), a baleia-bicuda-de-blainville (Mesoplodon densirostris) e a baleia-bicuda-de-gervais (Mesoplodon europaeus). As duas primeiras já foram avistadas na costa brasileira.
Quando os pesquisadores chegaram à praia, alguns dos bichos tinham acabado de morrer e outros ainda agonizavam.
A autópsia das baleias-bicudas
revelou bolhas de tecido adiposo
espalhadas por diversos órgãos
vitais, rompendo vasos sanguíneos e causando hemorragias por
toda parte. Os cetáceos britânicos
tinham o mesmo problema, em
especial no fígado. As lesões não
foram causadas por doenças, dizem os cientistas. Nenhuma bactéria patogênica foi detectada nos
cadáveres, por exemplo.
Descompressão
Segundo Fernández, a melhor
explicação para essas bolhas destruidoras é o fenômeno da descompressão. Mergulhar dezenas
ou centenas de metros é uma experiência complicada porque a
pressão exercida pela água aumenta de acordo com a profundidade, de maneira que o próprio ar
presente no corpo se comprime,
ou seja, diminui de volume.
Caso ocorra um retorno rápido
demais a pressões menores, a tendência é o que o ar se expanda
bruscamente, criando bolhas nos
órgãos internos -algo que mergulhadores humanos aprenderam dolorosamente ao longo dos
séculos. Dá para imaginar o tamanho do estrago desse fenômeno
em cetáceos que mergulham por
40 minutos e saturam o organismo de ar para manter o fôlego.
Acredita-se que esses animais
tenham desenvolvido maneiras
de lidar com a descompressão,
mas mesmo esse sistema não seria capaz de lidar com uma volta
súbita à tona.
É aí que poderiam entrar os
exercícios militares. O sonar lança
potentes pulsos sonoros no ambiente marinho, que retornam como ecos. Os padrões sonoros produzidos dessa maneira indicam a
presença de objetos ou veículos
dentro da água.
Barulho demais
Acontece que os cetáceos usam
um sistema parecido para se localizar no oceano. A avalanche dos
pulsos de sonar pode ser demais
para esses sensores delicados, levando os animais à desorientação, que culminaria com o retorno acelerado à superfície.
Por outro lado, o sonar pode ter
causado diretamente a descompressão ao estimular a formação
de bolhas, como sugerem outras
pesquisas. Fernández diz que não
lhe cabe aconselhar o fim das manobras ("Sou apenas um patologista veterinário"), mas afirma
que a preocupação com elas é
muito justificada.
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