São Paulo, quinta-feira, 12 de abril de 2001

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PARASITOLOGIA

Estudo da USP, publicado na "Nature", pode explicar por que infecção do Plasmodium vivax é recorrente

Grupo acha genes ligados à malária crônica

Matuiti Mayezo/Folha Imagem
Pesquisador Hernando del Portillo trabalha em seu laboratório no Departamento de Parasitologia


ISABEL GERHARDT
DA REPORTAGEM LOCAL

As pesquisas de genoma feitas no Brasil estão virando habituês da prestigiosa publicação científica britânica "Nature".
Depois do genoma da Xylella (praga que causa a doença do amarelinho e cujo sequenciamento ganhou a capa da revista), sai na edição de hoje um trabalho sobre o genoma do Plasmodium vivax (agente que causa a forma não-letal da malária), liderado pelo professor de parasitologia da USP Hernando del Portillo.
O grupo de del Portillo identificou uma família de genes, encontrada somente no P. vivax, que pode ser a explicação de como o parasita consegue causar a infecção da malária na sua forma crônica no ser humano. Essa família é composta de 600 a 1.000 cópias de genes e está localizada nas extremidades dos cromossomos.
Segundo del Portillo, até dez anos atrás, os casos cujo agente era o P. vivax eram tão numerosos quanto aqueles provocados pelo P. falciparum (que causa a forma fatal da doença). Nesses dez anos, a malária causada pelo P. vivax saltou de cerca de 30 mil para 480 mil casos no país, representando hoje 80% dos casos.
"O trabalho da "Nature" é o resultado de 11 anos de pesquisa", disse Portillo à Folha, no seu laboratório no Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.
Ele começou estudando a região telomérica (os extremos) dos cromossomos de Plasmodium quando isso nem era moda -antes desses fragmentos serem relacionados aos processos de envelhecimento e divisão celular.
"Quando descobriram famílias multigênicas (grupos de vários genes semelhantes) em P. falciparum, eu achei que deveríamos analisar as regiões teloméricas de P. vivax para ver se encontrávamos alguma coisa interessante."
O grupo então começou o trabalho de obtenção dessas regiões teloméricas de P. vivax. Esse processo pode ser feito pela construção do que os cientistas chamam de biblioteca de cromossomos artificiais de levedura (YACs, em inglês), onde é possível "guardar" longos pedaços do DNA do organismo de interesse.
A biblioteca, feita a partir de parasitas de um único paciente de Rondônia, é a única de P. vivax em YACs no mundo e foi parte do trabalho de doutorado de Anamaria Camargo, hoje no Instituto Ludwig e coordenadora do projeto Transcriptoma Humano.

Burlando o sistema
Com a biblioteca pronta, Portillo foi para a Alemanha trabalhar com o genoma de P. vivax.
Lá, procurou o Sanger Centre, no Reino Unido, que sequenciou 156 kb (156 mil letras A, C, G e T) da região telomérica do P. vivax.
"Apesar de parecer simples sequenciar somente 156 kb, o genoma do plasmódio tem cerca de 85% de AT na região telomérica. Mesmo os melhores programas se perdem (para ordenar as sequências). Não é à toa que o consórcio internacional, que tem a participação do TIGR e do Sanger Centre, entre outras instituições, ainda não terminou o genoma do P. falciparum", explica.
Os genes identificados são membros de uma nova família, chamada vir. As proteínas que eles expressam estão presentes na membrana das células do sangue onde o parasita se aloja. O que elas fazem é passar a perna no sistema imune (de defesa).
"O sistema imune produz um anticorpo para se defender do antígeno [substância que provoca uma reação do organismo" exposto na membrana do parasita. Quando esse anticorpo é eficiente no combate ao antígeno, o parasita simplesmente desliga esse gene e liga outro."
O novo gene codificará uma proteína diferente, para a qual aquele anticorpo não funcionará mais. "Isso é variação antigênica", explica del Portillo.
Agindo dessa forma, o parasita consegue fugir da tática de ataque do organismo e se estabelece, provocando infecções periódicas de malária. Segundo o pesquisador, essa é a maior família multigênica em malária de que se tem notícia.
"Agora, contando com a pós-doutoranda Carmen Becerra, que também participou do trabalho na "Nature", é que começará a parte interessante, pois vamos tentar ver onde, como e por que esses genes variam", diz Portillo. São essas respostas que ajudarão a entender o processo infeccioso da malária e a encontrar uma terapia eficiente para a doença.


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