São Paulo, terça-feira, 12 de abril de 2005

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PALEONTOLOGIA

Fóssil indica que parentes de mamíferos andavam em bando e cuidavam de filhotes há 230 milhões de anos

Pegada em fezes revela hábitos de réptil

Divulgação/Paulo Souto
Coprólito com marca destacada de pegada (mancha branca)



REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

A capacidade dos paleontólogos de resgatar detalhes do comportamento de criaturas extintas está expondo algumas delas ao que, em termos humanos, só poderia ser chamado de ridículo. É o caso de um dicinodonte (réptil herbívoro aparentado aos ancestrais dos mamíferos) que pastava pelo que hoje é o Rio Grande do Sul. Os cientistas não só acharam as fezes fossilizadas do bicho como também flagraram pegadas dele em cima das mesmas fezes.
O achado, feito por Paulo Souto, do Instituto de Geociências da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), tem implicações que vão além de uma mera situação embaraçosa de 230 milhões de anos. "É, eu sei que as piadas são inevitáveis", brinca o pesquisador, que também já vasculhou as fezes fossilizadas (conhecidas como coprólitos pelos paleontólogos) da chapada do Araripe (CE) e encontrou restos de micróbios com 90 milhões de anos.
Agora, a análise dos coprólitos do dicinodonte gaúcho revela detalhes de sua dieta e até de seu comportamento -provavelmente gregário, como qualquer grande herbívoro de hoje que se preze.
Verdade seja dita, os pesquisadores já sabem há décadas do potencial paleontológico dos coprólitos gaúchos. Pesquisadores que passaram por lá na década de 1940, como o célebre Llewellyn Ivor Price, já tinham notado a quantidade de fezes fossilizadas na região, mas a falta de instrumentos adequados para analisá-las e a presença abundante de ossos fossilizados acabaram levando ao seu abandono. "Até hoje você vê esses aglomerados enormes", afirma Souto.
Os dicinodontes, entre eles o gaúcho Dicinodontosaurus estudado pelo pesquisador, viveram na época em que estavam surgindo as primeiras formas de dinossauros -pequenos herbívoros e carnívoros bípedes de no máximo 2 m de comprimento. Os dicinodontes, no entanto, têm pouco a ver com eles, estando mais aparentados ao grupo que iria dar origem aos mamíferos. "Muita gente os compara a hipopótamos", diz Souto. Com até 3 m de comprimento, eles viviam nas proximidades de cursos d'água e, no caso dos que habitavam as vizinhanças do atual município gaúcho de Candelária, conviviam com secas e inundações sazonais.
Souto conta que as marcas de pegadas estavam claras mesmo a olho nu, o que o levou a procurar a ajuda de colegas como Ismar Carvalho, também da UFRJ, e o italiano Giuseppe Leonardi. "Por terem sido feitas em material muito mole, é difícil identificá-las com precisão, mas uma das possibilidades mais fortes é que ela tenha sido feita por um filhote de dicinodonte", explica ele.
Seria um indício de dois comportamentos inferidos antes para a espécie: a vida em manada e o cuidado com os filhotes. Isso porque, como os grandes mamíferos africanos de hoje, a vida em bandos implicaria um pisoteamento constante dos dejetos do vizinho (ou dos próprios). A idéia de que possa ter sido um filhote o autor das pegadas vem tanto de seu tamanho modesto quanto de que ele viajaria lado a lado com a mãe. Contudo, não está descartada a hipótese de que um cinodonte (animal muito menor e carnívoro, parente distante dos herbívoros) tenha feito a pegada ao tentar capturar um filhote.
Souto também analisou ao microscópio cortes ultrafinos de outras fezes e conseguiu encontrar restos de vegetais fossilizados que revelam a dieta dos dicinodontes. Como a grama ainda não existia, eles comiam samambaias e coníferas (parentes dos pinheiros).
O paleontólogo da UFRJ diz ser "incrível" a presença de dois icnofósseis -ou seja, fósseis que preservam uma marca do animal, e não seu corpo propriamente dito- misturados num resto só. "É por isso que os coprólitos são interessantes. São verdadeiras caixas de Pandora, nunca se sabe o que vai sair dali", diz o pesquisador. Souto, em parceria com Cibele Schwanke, da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), está preparando um artigo descrevendo os coprólitos, o qual deve ser submetido em breve a uma revista científica.


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