São Paulo, sexta-feira, 12 de setembro de 2003 |
Próximo Texto | Índice
MEDICINA Formas mais grave e mais branda da doença mobilizam conjuntos diversos de genes; estudo contou com brasileira Genética refina diagnóstico da hanseníase
RICARDO BONALUME NETO DA REPORTAGEM LOCAL A forma mais grave da hanseníase e aquela que se cura quase sozinha estão diretamente relacionadas a certos conjuntos de genes humanos, cujo funcionamento indica com nitidez o grau da doença que a pessoa poderá ter. Essa descoberta foi feita por uma equipe internacional de 16 pesquisadores, incluindo uma brasileira, e está publicada em artigo na edição de hoje da revista científica americana "Science" (www.sciencemag.org). O estudo foi coordenado por Robert Modlin, da Universidade da Califórnia em Los Angeles. Os resultados facilitarão no futuro o diagnóstico da doença, assim como darão boas pistas sobre o funcionamento da defesa do corpo contra infecções. Esse exemplo do uso de ferramentas da genômica (estudo dos conjuntos de genes) e sua correlação com dados clínicos mostra que a técnica poderá ajudar a responder perguntas sobre uma gama variada de doenças. Por exemplo, explicar por que uma pessoa adoece, e outra, não. Os genes contêm "receitas" para a síntese das proteínas na célula. Essa fabricação é conhecida como a "expressão" dos genes. Os autores mostraram que há correlação da diferença nos conjuntos de genes expressos com distintas formas de hanseníase. A correlação é tão boa que permitiu discriminar corretamente as formas clínicas da doença. A hanseníase, anteriormente chamada no Brasil de "lepra", é uma doença infecciosa causada pelo bacilo (um tipo de bactéria) Mycobacterium leprae. Ela traz lesões da pele, da mucosa e dos nervos. Em casos graves produz deformações. O sintoma típico são manchas esbranquiçadas ou avermelhadas na pele, onde não há sensibilidade ao tato. Trata-se de uma típica doença da pobreza. Afeta hoje principalmente países da África, Ásia e América Latina, notadamente suas regiões e populações mais pobres. O Brasil costuma ter entre 40 mil e 45 mil casos da doença por ano, em média. "As formas clínicas da doença são completamente diferentes", afirma Euzenir Nunes Sardo, pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio, e co-autora do estudo. Essas formas se refletem no modo como reage o sistema de defesa do corpo, o sistema imune. "Na maioria das pessoas, a resposta imune é suficiente para combater o bacilo", diz ela. A forma chamada "tuberculóide" da doença envolve infecção por poucas bactérias e o sistema imune age principalmente por intermédio de células de defesa. Já a forma "lepromatosa" inclui lesões maiores, alta carga de bactérias e supressão da defesa por via celular. "O indivíduo perde a resposta imune", diz Sarno. Foram estudados espécimes retirados de seis pacientes da forma tuberculóide e de cinco da forma lepromatosa, alguns dos quais eram brasileiros. Milhares de genes Graças a resultados disponíveis do Projeto Genoma Humano, de sequenciamento do material genético, foi possível comparar os padrões de expressão gênica de cerca de 12 mil genes. A diferença do perfil dos genes ficou clara em relação a uma família ligada ao sistema de defesa. Em um dos casos, um gene chegou a ser expresso 5,4 vezes mais nos pacientes com a forma mais grave, em comparação com os que tinham a versão mais branda de hanseníase. O resultado mostrou não só perfis genéticos distintos, como serviu até para reclassificar o diagnóstico. Um dos pacientes da forma tuberculóide apresentava perfil semelhante ao da forma lepromatosa. Seu caso foi reexaminado, e se concluiu que ele de fato apresentava a forma mais grave. Próximo Texto: Política científica: Lula promete mais uma vez elevar os investimentos para 2% do PIB Índice |
|