|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ ciência Astronomia
Biografia lançada nos EUA faz um perfil do astrônomo Carl Sagan, famoso pela
divulgação científica, mas criticado por sua inconstância como pesquisador
O público e o humano
Álvaro Pereira Júnior
de San Francisco
I magine um cientista de quem outros
cientistas desconfiam. Um pesquisador que, para consumo externo, é um
defensor intransigente do método e da
razão, mas que, no íntimo, suspeitam
seus pares, cultiva o misticismo.
Pense em um pesquisador que não
consegue ser efetivado na Universidade
Harvard, a mais prestigiada dos Estados
Unidos, e é sumariamente rechaçado no
olimpo científico, a Academia Nacional
de Ciências dos EUA.
Esse cientista, atormentado pela relação superproterora com a mãe, morre de
ciúme dos próprios filhos e até bate na
primeira mulher. Tem uma erudição
fantástica, que seus detratores vêem como uma cortina de fumaça para alguém
que entende de muitas coisas, mas de todas elas superficialmente.
Pode não parecer, mas a história relatada nos parágrafos acima não é de fracasso e loucura. É uma história de sucesso.
A história de Carl Sagan (1934-1996).
Numa biografia recém-lançada nos
EUA, "Carl Sagan, a Life", o autor, Keay
Davidson, traça um perfil improvável,
porque humano, de alguém visto pelo
público como acima de falhas.
Jovem e bonito, extremamente articulado, Sagan foi, dos anos 60 aos 80, a face
mais visível, cercada de glamour, da área
científica de maior apelo popular: a astronomia. Mais especificamente, daquele ramo astronômico que estuda a possibilidade de vida em outros planetas.
Apresentou a série de TV "Cosmos",
transmitida em todo o mundo na primeira metade dos anos 80, e seu nome
era presença constante
em programas de TV, jornais e revistas. Ao lado de
Albert Einstein, talvez seja
o cientista mais conhecido do século.
Mas o levantamento de
Davidson vai além dessa
superfície dourada. Dele
emerge um astrônomo
perseguido pelo estigma de raso, de peso-leve. Alguém incapaz para o trabalho
científico metódico, porque se interessava por tantas coisas, e todas ao mesmo
tempo, que nada prendia sua atenção
por mais de alguns dias.
"Carl Sagan, A Life" tem o raro mérito
de ser uma biografia que não busca comprovar teses preconcebidas. Ou seja, não
foi escrita por uma feminista para quem
o biografado era um monstro contra as
mulheres, nem é obra de um adepto da
new age que pretende provar que "astral" e "energia" são mais importantes
do que ciência de verdade.
Quando Sagan merece crédito, recebe,
como em seus estudos, ainda na tese de
doutorado, sobre uma espécie de efeito
estufa em Vênus.
E se errou, como fez muitas vezes, o livro também registra. Um
de seus grandes fracassos
foi ter previsto que Marte
seria habitada por criaturas do tamanho de ursos
polares, e foi ele também
um dos primeiros defensores da quarentena por
que passavam os astronautas que voltavam da
Lua -Sagan temia que a superfície do
satélite estivesse infestada por microrganismos assassinos.
O livro discute em razoável profundidade os tópicos científicos mais relevantes da carreira de Sagan, sem tornar-se
enfadonho.
E ainda conta histórias muito curiosas,
como a do colega, enciumado, que virou-se para Sagan e disse: "Tenho acompanhado sua carreira pela "Time" ".
Numa área tão apaixonante como o estudo da origem da vida, surgem os palpites mais alucinados, como um artigo, em
1973, segundo o qual a vida surgiu na
Terra a partir de micróbios despejados
sobre nosso planeta, deliberadamente,
por extraterrestres... . Detalhe: um dos
autores do estudo era ninguém menos
que o Prêmio Nobel Francis Crick, co-descobridor da estrutura do DNA.
"Carl Sagan, a Life", segue uma cronologia complicada e seu texto não é nada
especial. Mas tem o grande mérito de
mostrar, como comentou o autor de ficção científica Arthur Clarke, "que os
cientistas podem ser mais humanos do
que a maioria dos seres humanos".
Carl Sagan, a Life de Keay Davidson
540 págs. US$ 30.
Onde comprar: em São Paulo,
na Livraria Cultura (av. Paulista,
2.073, tel. 0/xx/ 11/ 285-4033).
No Rio, à Livraria Marcabru (r.
Marquês de São Vicente, 124,
tel. 0/xx/ 21/ 294-5994).
Álvaro Pereira Júnior, 36, é jornalista.
Texto Anterior: + ciência - Esther Hamburguer: A revolução da Aids Próximo Texto: Em breve Índice
|