São Paulo, Domingo, 12 de Dezembro de 1999


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+ ciência Astronomia
Biografia lançada nos EUA faz um perfil do astrônomo Carl Sagan, famoso pela divulgação científica, mas criticado por sua inconstância como pesquisador
O público e o humano

Álvaro Pereira Júnior
de San Francisco

I magine um cientista de quem outros cientistas desconfiam. Um pesquisador que, para consumo externo, é um defensor intransigente do método e da razão, mas que, no íntimo, suspeitam seus pares, cultiva o misticismo.
Pense em um pesquisador que não consegue ser efetivado na Universidade Harvard, a mais prestigiada dos Estados Unidos, e é sumariamente rechaçado no olimpo científico, a Academia Nacional de Ciências dos EUA.
Esse cientista, atormentado pela relação superproterora com a mãe, morre de ciúme dos próprios filhos e até bate na primeira mulher. Tem uma erudição fantástica, que seus detratores vêem como uma cortina de fumaça para alguém que entende de muitas coisas, mas de todas elas superficialmente.
Pode não parecer, mas a história relatada nos parágrafos acima não é de fracasso e loucura. É uma história de sucesso. A história de Carl Sagan (1934-1996).
Numa biografia recém-lançada nos EUA, "Carl Sagan, a Life", o autor, Keay Davidson, traça um perfil improvável, porque humano, de alguém visto pelo público como acima de falhas.
Jovem e bonito, extremamente articulado, Sagan foi, dos anos 60 aos 80, a face mais visível, cercada de glamour, da área científica de maior apelo popular: a astronomia. Mais especificamente, daquele ramo astronômico que estuda a possibilidade de vida em outros planetas.
Apresentou a série de TV "Cosmos", transmitida em todo o mundo na primeira metade dos anos 80, e seu nome era presença constante em programas de TV, jornais e revistas. Ao lado de Albert Einstein, talvez seja o cientista mais conhecido do século.
Mas o levantamento de Davidson vai além dessa superfície dourada. Dele emerge um astrônomo perseguido pelo estigma de raso, de peso-leve. Alguém incapaz para o trabalho científico metódico, porque se interessava por tantas coisas, e todas ao mesmo tempo, que nada prendia sua atenção por mais de alguns dias.
"Carl Sagan, A Life" tem o raro mérito de ser uma biografia que não busca comprovar teses preconcebidas. Ou seja, não foi escrita por uma feminista para quem o biografado era um monstro contra as mulheres, nem é obra de um adepto da new age que pretende provar que "astral" e "energia" são mais importantes do que ciência de verdade.
Quando Sagan merece crédito, recebe, como em seus estudos, ainda na tese de doutorado, sobre uma espécie de efeito estufa em Vênus.
E se errou, como fez muitas vezes, o livro também registra. Um de seus grandes fracassos foi ter previsto que Marte seria habitada por criaturas do tamanho de ursos polares, e foi ele também um dos primeiros defensores da quarentena por que passavam os astronautas que voltavam da Lua -Sagan temia que a superfície do satélite estivesse infestada por microrganismos assassinos.
O livro discute em razoável profundidade os tópicos científicos mais relevantes da carreira de Sagan, sem tornar-se enfadonho.
E ainda conta histórias muito curiosas, como a do colega, enciumado, que virou-se para Sagan e disse: "Tenho acompanhado sua carreira pela "Time" ".
Numa área tão apaixonante como o estudo da origem da vida, surgem os palpites mais alucinados, como um artigo, em 1973, segundo o qual a vida surgiu na Terra a partir de micróbios despejados sobre nosso planeta, deliberadamente, por extraterrestres... . Detalhe: um dos autores do estudo era ninguém menos que o Prêmio Nobel Francis Crick, co-descobridor da estrutura do DNA.
"Carl Sagan, a Life", segue uma cronologia complicada e seu texto não é nada especial. Mas tem o grande mérito de mostrar, como comentou o autor de ficção científica Arthur Clarke, "que os cientistas podem ser mais humanos do que a maioria dos seres humanos".



Carl Sagan, a Life de Keay Davidson
540 págs. US$ 30. Onde comprar: em São Paulo, na Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, tel. 0/xx/ 11/ 285-4033). No Rio, à Livraria Marcabru (r. Marquês de São Vicente, 124, tel. 0/xx/ 21/ 294-5994).



Álvaro Pereira Júnior, 36, é jornalista.


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