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Micro/Macro
Será que as fontes de petróleo vão se esgotar?
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Eu me lembro, quando ainda garoto,
da famosa crise no abastecimento de
petróleo nos anos 70: racionamento de
gasolina, preços altos, filas intermináveis
nos postos e viagens curtas nos finais de
semana. Neste fim de milênio, vale lembrar que nossa absoluta dependência de
combustíveis fósseis pode também levar
a vários prognósticos apocalípticos. O
que será do mundo se o petróleo acabar?
A crise dos anos 70 acelerou nosso interesse em criar fontes alternativas de
energia, como o programa do álcool no
Brasil ou de carros movidos a gás natural, que também é um combustível fóssil
como o petróleo, mas bem mais abundante. A ênfase deve ser em fontes não só
alternativas, mas também renováveis.
Uma possibilidade interessante é o uso
de hidrogênio como combustível. Hidrogênio é, de longe, o elemento mais
abundante no Universo, em torno de
75%, seguido do gás hélio, com 24%.
Mais ainda, um carro movido a hidrogênio produz vapor de água, e não os vários
gases tóxicos e poluentes que são produzidos na combustão da gasolina. As vantagens são óbvias. Os primeiros carros
movidos a hidrogênio estão programados para ser lançados em 2004, um ótimo presente para a humanidade do novo
milênio.
Os países mais poluentes do mundo
são os EUA e a China. No caso da China,
o combustível mais usado é o carvão, o
que faz com que 9 das 10 cidades mais
poluídas do mundo estejam em território chinês. Em torno de 33% das mortes
nessas cidades estão relacionadas a
doenças pulmonares, cardiovasculares e
formas de câncer causadas pelo uso abusivo de carvão como combustível.
No caso dos EUA, 40% da poluição
causada pelo petróleo vem de automóveis. É realmente absurda a relação dos
americanos com carros e a relutância generalizada no uso de transportes públicos. Indo ao trabalho de manhã, você vê
milhares de carros com apenas um motorista, todos empilhados no trânsito,
enquanto o metrô e os trens passam vazios ao lado das avenidas. Em São Paulo
a coisa não é muito melhor, e uma reforma nos transportes públicos é fundamental para garantir o futuro dessa cidade. E de várias outras no Brasil.
Enquanto não desenvolvemos fontes
alternativas e renováveis de energia a
preços acessíveis, o debate sobre as reservas mundiais de petróleo continua. Mas
o foco do debate mudou. Hoje, ao contrário dos anos 70, as previsões são de
que as reservas de petróleo durarão muito mais do que o esperado, confortavelmente pelos próximos cem ou mais
anos. Eu acho essa previsão lamentável,
pois ela irá desacelerar as pesquisas em
produção alternativa de energia; infelizmente, novas fontes só irão se tornar viáveis quando houver interesse econômico
por trás.
Considerando que anualmente cerca
de 14 milhões de galões de petróleo são
"acidentalmente" despejados em águas
doces e salgadas, fora a poluição atmosférica e o efeito estufa que é causado pela
combustão de vários derivados do petróleo, é uma forma de cegueira não acelerarmos as pesquisas de outros combustíveis. A questão não é mais se o petróleo
vai acabar, mas se ele vai acabar com a
gente.
Para piorar as coisas, em um recente livro, o físico iconoclasta Thomas Gold,
ex-diretor do Centro de Radiofísica e
Pesquisas Espaciais da Universidade de
Cornell, nos EUA, sugere que o petróleo
não vai acabar tão cedo, que ele é constantemente renovado por todo um ecossistema subterrâneo que até o momento
permanece invisível. Sua idéia é que vastas quantidades de materiais orgânicos
foram armazenadas no interior profundo da Terra durante sua infância.
Esses materiais percolam através de rochas até atingir profundidades entre 10
km e 300 km, onde eles são consumidos
por vastas colônias de microrganismos,
com mais massa orgânica do que toda a
vida na superfície. Devido a movimentos
internos na Terra, esse material recombinado sobe ainda mais, onde ele é depositado nos reservatórios de petróleo e gás
que exploramos. Claro, a hipótese de
Gold é altamente especulativa e, espero,
errada. Mas, caso ele esteja certo, o nosso
futuro vai depender de nossa sabedoria e
não de nossa ganância.
Marcelo Gleiser é professor de física do Dartmouth
College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Retalhos
Cósmicos".
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