São Paulo, segunda-feira, 13 de janeiro de 2003

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ESPAÇO

A européia Rosetta, que deve visitar cometa em 2011, pode ter seu lançamento adiado por problemas com foguete

ESA revela amanhã destino de sua sonda

ESA
Concepção artística da sonda Rosetta perto do cometa Wirtanen


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Desde 1993, esses cientistas europeus estão sonhando com o lançamento da sonda Rosetta, originalmente marcado para hoje. Em dezembro, eles caíram da cama: uma falha com um foguete similar ao que levaria a nave ao espaço obrigou a equipe a adiar os planos. Agora, o sucesso da missão, tal qual foi planejada, está por um fio. O balé dos astros não costuma ser tolerante com atrasos.
Amanhã, a ESA deve anunciar o destino da missão, cujo objetivo principal é visitar o cometa Wirtanen. Provavelmente, o lançamento deve ocorrer até o final do mês, salvando uma das missões mais caras e ambiciosas da agência espacial européia. Mesmo com o atraso, ainda há esperança.
"Sim, ainda assim seria possível ir ao Wirtanen", diz Uwe Meierhenrich, um dos cientistas envolvidos na missão. "A "janela" para o lançamento foi calculada com folga suficiente para a missão começar até no início de fevereiro."
Mas não mais que isso. O planejamento original iria dar à sonda um verdadeiro tour pelo Sistema Solar antes de chegar a seu destino. Depois de partir, ela viajaria rumo a Marte, onde chegaria em 2005. De lá, daria uma passada pela Terra, chegando no mesmo ano, e mais uma, em 2007.
A cada passagem, a força gravitacional exercida pelos planetas aceleraria a sonda, colocando-a no rumo e na velocidade necessária para atingir o Wirtanen, um cometa que dá uma volta no Sol a cada cinco anos. No caminho, a Rosetta ainda passaria por dois asteróides, onde testaria seus instrumentos, antes de chegar ao destino final, em 2011.
A sonda entraria em órbita do cometa e, em 2012, um módulo de aterrissagem se desprenderia da nave principal e faria um pouso suave no Wirtanen -o primeiro de uma sonda num objeto desses.
Para executar toda essa rota, a sonda precisa contar com a boa-vontade dos astros: eles precisam estar exatamente nas posições que permitiriam que a nave passasse por todos eles na hora e na distância certas. E no princípio dessa dança sincronizada está o momento de partida da sonda. Se ela se atrasa demais, os astros saem de suas "marcações" originais e o balé se torna impossível.

Carona com bêbado
Para ir ao espaço, a Rosetta, com suas pouco modestas três toneladas, precisa de um belo empurrão. O escalado para a tarefa é o foguete francês Ariane-5, o último modelo de uma série bem-sucedida de lançadores que dominou o mercado comercial de colocação de satélites em órbita.
Com 15 vôos executados desde 1996, sendo quatro desses falhas, o Ariane-5 não mostrou, pelo menos até agora, a mesma confiabilidade dos modelos anteriores. O último lançamento foi a estréia de uma alteração do modelo, chamada de Ariane-5 Plus: com um novo motor e maior capacidade de carga, o foguete foi pelos ares em 11 de dezembro, deixando todo mundo preocupado. A Rosetta, resultado de um investimento de quase US$ 800 milhões, pode ser lançada com segurança?
Foi a primeira coisa que a ESA quis saber após o desastre de 11 de dezembro. Uma equipe escalada para definir a causa da falha concluiu que o mesmo defeito não deve se repetir. "A "anomalia" ocorreu com um veículo Ariane-5 Plus, no novo motor Vulcain-2", diz Meierhenrich. "A Rosetta foi planejada para um veículo Ariane-5 com um motor Vulcain-1. Então você pode me perguntar: "A versão básica bem mais confiável do Ariane-5 não faria o serviço?", e minha resposta seria, "Sim, a versão básica vai fazer o serviço"."
É bom mesmo que faça. Afinal de contas, se for necessário adiar a missão por mais tempo, os cientistas vão ter de se descabelar para descobrir uma forma de "reconceber" o projeto. Segundo Meierhenrich, ninguém começou a pensar nisso ainda. "Até onde eu sei, o "plano B" não existe."

Mau agouro
Nos tempos em que a astronomia e a astrologia ainda se mesclavam, o surgimento de um cometa no céu era rotineiramente interpretado como um sinal de catástrofe. A eles já foi atribuída a morte de reis e a queda de impérios.
Por sorte, hoje se sabe um pouco mais sobre esses astros -o que ajudou muito a limpar sua reputação. Em vez de serem encarados como destruidores e sinalizadores da desgraça, eles hoje são vistos como uma potencial fonte dos ingredientes básicos da vida -água e aminoácidos, os tijolos das proteínas. Há até quem sugira que foram os cometas, em choques com a Terra, que a "semearam" com esses ingredientes.
As sondas destinadas a visitar cometas, como a Rosetta, se propõem a esclarecer melhor o que há de verdade nessas hipóteses. Assim como a pedra de Rosetta permitiu a decifração dos antigos hieróglifos egípcios, essas naves também poderão revelar os mistérios que cercam esses objetos, criados na mesma época em que o Sistema Solar estava nascendo.
Por outro lado, caso a Rosetta seja perdida, alguns podem adaptar a velha noção catastrofista para a era espacial. Afinal de contas, há cerca de seis meses, a Nasa perdeu uma de suas sondas destinada à caça aos cometas. Ainda em órbita da Terra, a Contour sofreu uma falha em seu propulsor, quebrando a nave em três pedaços.
Nessa corrida aos pedregulhos feitos de gelo e sujeira do Sistema Solar, a agência espacial americana ainda tem dois engenhos: a Stardust, já lançada em 1999 e que vai coletar uma amostra de cometa e trazê-la à Terra, e a Deep Impact, que deve partir em 2004 para um violento choque com um desses astros. A turma da ESA, entretanto, aposta que sua única sonda pode trazer melhores resultados que o trio (agora dupla) da Nasa.
É nesse clima de competição sadia que os europeus esperam poder lançar sua sonda. Depois de amanhã, o destino da Rosetta será revelado. Enquanto isso, mitos à parte, Meierhenrich não hesita em fazer um pedido pouco científico: "cruzem os dedos".



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