|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO
O genoma do futuro
DRAUZIO VARELLA
COLUNISTA DA FOLHA
Para achar a cura do câncer é
mais fácil sequenciar o genoma
inteiro. Essa frase do professor
italiano Renato Dulbecco, um dos
mais respeitados oncologistas do
século, foi talvez o argumento definitivo para o início do Projeto
Genoma, em outubro de 1990.
Quando o Projeto foi lançado,
estimava-se que custaria US$ 3 bilhões e chegaria ao final em outubro de 2005. O custo e a duração
de 15 anos eram teóricos, no entanto; os organizadores contavam
com o desenvolvimento de técnicas automatizadas de sequenciamento que ainda não estavam
disponíveis na época. Caso essa
tecnologia não fosse criada, os
custos seriam mais altos, e a duração, mais longa, conforme contrapunham os críticos.
Numa demonstração inequívoca de que a criatividade científica
não costuma decepcionar os que
nela investem, chegamos ao final
do projeto muito antes e com gastos bem menores.
O conhecimento da ordem segundo a qual os genes humanos
estão alinhados nos 23 pares de
cromossomos constitui uma
quantidade de informação gigantesca. Levará séculos para ser decifrada em sua plenitude -se é
que um dia o será.
A partir de hoje, e por várias gerações, biólogos e cientistas da
computação estarão ocupados
em encontrar o significado bioquímico de todos os genes que fazem de nós o que somos.
Para dar idéia do trabalho que
nos espera, basta lembrar que, até
a publicação dos dados atuais, e
estimando em 30 mil o número de
genes do corpo humano, as previsões eram de que se encontraria
algo entre 50 mil e 150 mil. Isto é,
alguns cientistas admitiam números três vezes maiores que outros.
E a quantidade de genes não é o
mais importante, a função de cada um é o que realmente interessa. Por meio desta é que vamos
entender como o genoma interage com o ambiente para dar origem a um indivíduo diferente de
qualquer outro, identificar pessoas predispostas a determinadas
doenças, corrigir eventos genéticos que levam ao câncer, ao diabetes, a ataques cardíacos, ao reumatismo ou às degenerações neuropsiquiátricas da velhice.
Vamos decifrar os mecanismos
de envelhecimento, obesidade,
tendência a comportamento violento, e vamos interferir no desenvolvimento intelectual.
No momento do parto, as crianças terão seus genes sequenciados
a partir de células do cordão umbilical. A informação será encaminhada para centrais como o
Gene Data Bank, de Los Alamos,
que arquivarão o patrimônio genético da humanidade.
Conheceremos então a biodiversidade humana, e nascerá a
verdadeira medicina preventiva,
modelada individualmente, de
acordo com as suscetibilidades de
cada um. Surgirá a farmacogenômica, para indicar com precisão o
remédio adequado ao funcionamento de cada organismo doente.
Além disso, estaremos mais
perto de entender por que certos
genes humanos são quase iguais
aos das bactérias ou fungos. Ou
por que os chimpanzés, que compartilham 98% de identidade genética conosco, não conseguem
passar um fio de linha pelo buraco da agulha, compor sinfonias
ou viajar pelo espaço sideral.
Texto Anterior: Genética dará novos alvos para medicamentos Próximo Texto: Papel do DNA "inútil" será revisto Índice
|