São Paulo, sexta-feira, 13 de fevereiro de 2004

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PROMESSA NA MEDICINA

Experimento inédito abre perspectiva de transplantes celulares sem risco de rejeição

Coréia gera células-tronco a partir de clone humano

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

A clonagem humana, para objetivos terapêuticos ou polêmicos fins reprodutivos, tornou-se bem mais viável graças ao trabalho de cientistas na Coréia do Sul. A equipe conseguiu produzir pela primeira vez as chamadas células-tronco embrionárias a partir de um embrião humano clonado. Mais especificamente, de um estágio inicial conhecido como "blastocisto", uma esfera oca contendo cerca de cem células.
A clonagem dita terapêutica envolveria a produção de células específicas para reparar defeitos num organismo. Seria uma forma de transplante, só que, em vez de órgãos inteiros (como um coração ou um rim), a clonagem terapêutica empregaria células -como as do sangue, as nervosas, ou as produtoras de substâncias que faltam ao corpo, como a insulina.
Os pesquisadores sul-coreanos criaram pela primeira vez uma linhagem de células "pluripotentes", ou seja, capazes de se transformar em outras de vários tipos, podendo servir como fonte de células reparadoras variadas.
O estudo, realizado por uma equipe de 15 pesquisadores liderada por Woo Suk Hwang, especialista em clonagem veterinária da Universidade Nacional de Seul, e incluindo o americano José B. Cibelli (nascido na Argentina), da Universidade do Estado de Michigan, foi publicado hoje, eletronicamente, pela revista científica norte-americana "Science" (www.sciencexpress.org).
O editor-chefe da revista, Donald Kennedy, foi cauteloso: "O potencial das células-tronco embrionárias é enorme, mas os pesquisadores ainda precisam superar obstáculos científicos significativos", afirmou em editorial.
O método de clonagem é o mesmo tradicionalmente usado para clonar animais como a ovelha Dolly, a transferência de núcleo de células somáticas (células normais do corpo, distintas das reprodutivas, o óvulo da mulher e o espermatozóide do homem). O núcleo é o local da célula que guarda o seu material genético.
A clonagem terapêutica envolve colocar o núcleo de uma célula somática em um oócito, o óvulo em desenvolvimento. "Em teoria, o citoplasma do oócito reprogramaria o núcleo transferido ao silenciar todos os genes de célula somática e ao ativar os genes embrionários", dizem os autores.

Células embrionárias
Com isso, torna-se possível obter e isolar células-tronco embrionárias -ainda não diferenciadas (transformadas) em outros tipos- nesse momento inicial do desenvolvimento do embrião, o blastocisto. Elas seriam então cultivadas e transformadas no tipo de célula necessária ao paciente.
Uma das vantagens que os pesquisadores coreanos tiveram foi a grande disponibilidade de óvulos, pois foi possível refinar diversos aspectos do método, como o tempo de maturação e os compostos químicos usados para tratá-los.
Eles retiraram 242 óvulos de 16 mulheres, além das células que doaram o núcleo, as células "cumulus" (que envolvem os óvulos em desenvolvimento no ovário e têm apresentado bom desempenho em processos de clonagem).

Cautela ética
Os cientistas tiveram o cuidado ético de informar as mulheres de que o objetivo da pesquisa era apenas a clonagem terapêutica, e não a reprodutiva. Elas não receberam dinheiro pelos óvulos.
Em entrevista coletiva realizada ontem, o grupo pediu que a clonagem reprodutiva fosse proibida em todos os países do mundo.
Assim como a clonagem pioneira de Dolly envolveu muitos experimentos que falharam, a equipe sul-coreana só conseguiu sucesso após várias tentativas. Em um dos experimentos apenas 19 de 66 óvulos clonados chegaram ao estágio de blastocisto. O resultado é limitado, "mas, nessa altura do jogo, é encorajador", declarou à "Science" o pesquisador britânico Ian Wilmut, do Instituto Roslin, um dos "pais" de Dolly.
Outro problema da técnica foi reconhecido pelos próprios autores. Como tanto os óvulos como as células "cumulus" vieram da mesma mulher, haveria a possibilidade de o embrião ser formado pelo chamado "nascimento virgem", ou partenogênese.
Esse é um método de reprodução encontrável em insetos, não em mamíferos, mas já observado em linhagens de células humanas. Testes adicionais do material genético foram feitos para ajudar a pôr de lado a hipótese, mas ela ainda não foi de todo descartada.


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