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São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 2003

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EVOLUÇÃO

Livro de Joan (ex-Jonathan) Roughgarden sobre comportamento animal desafia noções darwinianas de gênero

Pesquisadora "trans" ataca sexo tradicional

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

As idéias sobre sexo da teoria da evolução de Charles Darwin são cada vez mais contestadas. O título de um livro a ser publicado no ano que vem pela Universidade da Califórnia resume a nova interpretação: "O Arco-Íris da Evolução: Diversidade, Gênero e Sexualidade na Natureza e em Pessoas", de Joan Roughgarden.
O arco-íris é o símbolo internacional da comunidade homossexual. Cada vez mais se descobre comportamento homossexual entre animais -a conta está em pelo menos 300 vertebrados que o praticam de alguma forma. Mas a diversidade vai além disso.
A autora é uma prestigiada pesquisadora na área de ecologia e evolução biológica, desde 1972 na Universidade Stanford, que se define como uma "transgênera". Nasceu em 1946 e recebeu o nome Jonathan. Em 1998, mudou de gênero e de nome.
As pesquisas têm demonstrado uma grande área cinzenta entre os "gêneros" -definidos como uma combinação entre o corpo e o comportamento sexual de um indivíduo. Roughgarden, 57, cujos estudos incluem a ecologia de lagartos e de peixes de recife de coral, ressalta que mudar de sexo é comum em certas espécies.

Macho vira fêmea
Um pequeno cardume do peixe-palhaço inclui um par macho-fêmea que faz sexo e outros peixes não-reprodutores, em geral quatro. Se a fêmea reprodutora for retirada do cardume, o segundo maior peixe em tamanho, o macho reprodutor, muda de sexo. Fica maior e toma o papel da companheira como reprodutora.
Essa pesquisa foi publicada na revista científica britânica "Nature" no mês passado por Peter Buston, da Universidade Cornell (EUA), e é um bom exemplo da argumentação de Roughgarden.
Desde a década de 70 já se sabia que peixes podiam mudar de sexo. O próprio Darwin reconhecia que entre cavalos-marinhos os papéis sexuais estavam trocados -é o macho quem cuida dos ovos fertilizados numa bolsa no seu corpo. Mas Darwin achava que isso era uma exceção rara.
"As exceções são tão numerosas que imploram por uma explicação", diz hoje a bióloga.
O naturalista britânico Charles Robert Darwin (1809-1882) criou a teoria da seleção natural para explicar a evolução das espécies. Trata-se do processo pelo qual os organismos mais adaptados ao ambiente tendem a sobreviver e a transmitir suas características genéticas aos descendentes -a chamada "sobrevivência dos mais aptos". Afora fanáticos religiosos, há consenso entre os biólogos de que a seleção natural darwiniana é a base da evolução.
Já o conceito de seleção sexual é polêmico -ainda mais agora. Segundo Darwin, seria a maneira pela qual a seleção natural perpetuaria certas características de um sexo que seriam atraentes para o outro. O caso clássico é a cauda do pavão, que, apesar de colocar a vida do macho em risco se ele precisar fugir de um predador, seria um atrativo espetacular para as fêmeas. Os resultados em termos de sexo compensariam eventuais desvantagens de outro tipo.
Novos estudos com animais bem variados, de peixes a lagartos e macacos, têm mostrado que a noção de machos combatentes competindo por fêmeas submissas está longe de ser a norma no reino animal. Na guerra, no amor e no sexo, vale tudo. Porque longe de serem passivas, as fêmeas também ditam as regras.

Alvo de preconceito
Além de procurar entender o papel do sexo na natureza, Roughgarden procura defender a diversidade entre os seres humanos -lembrando que ela própria costuma ser alvo de preconceito. Ficou particularmente irritada com um livro recente do pesquisador Michael Bailey sobre o comportamento de transexuais, repleto de preconceitos e estereótipos, segundo ela.
No livro de Bailey sobrou até para os brasileiros e os que os americanos em geral chamam de "latinos", que seriam mais propensos à transexualidade.
"Eu acredito que os comentários de Bailey sobre latinas transgêneras são racistas e o tenho criticado publicamente por essa conduta ultrajante", diz. "Pessoas transgêneras estão presentes em todos os grupos étnicos e, pelo que se sabe, em frequência igual em toda parte e através da história. Um dado de 1 em 1.000 parece apropriado. Em grandes países, isso soma um bocado de gente."


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