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EVOLUÇÃO
Livro de Joan (ex-Jonathan) Roughgarden sobre comportamento animal desafia noções darwinianas de gênero
Pesquisadora "trans" ataca sexo tradicional
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
As idéias sobre sexo da teoria da
evolução de Charles Darwin são
cada vez mais contestadas. O título de um livro a ser publicado no
ano que vem pela Universidade
da Califórnia resume a nova interpretação: "O Arco-Íris da Evolução: Diversidade, Gênero e Sexualidade na Natureza e em Pessoas",
de Joan Roughgarden.
O arco-íris é o símbolo internacional da comunidade homossexual. Cada vez mais se descobre
comportamento homossexual
entre animais -a conta está em
pelo menos 300 vertebrados que o
praticam de alguma forma. Mas a
diversidade vai além disso.
A autora é uma prestigiada pesquisadora na área de ecologia e
evolução biológica, desde 1972 na
Universidade Stanford, que se define como uma "transgênera".
Nasceu em 1946 e recebeu o nome
Jonathan. Em 1998, mudou de gênero e de nome.
As pesquisas têm demonstrado
uma grande área cinzenta entre os
"gêneros" -definidos como uma
combinação entre o corpo e o
comportamento sexual de um indivíduo. Roughgarden, 57, cujos
estudos incluem a ecologia de lagartos e de peixes de recife de coral, ressalta que mudar de sexo é
comum em certas espécies.
Macho vira fêmea
Um pequeno cardume do peixe-palhaço inclui um par macho-fêmea que faz sexo e outros peixes
não-reprodutores, em geral quatro. Se a fêmea reprodutora for retirada do cardume, o segundo
maior peixe em tamanho, o macho reprodutor, muda de sexo. Fica maior e toma o papel da companheira como reprodutora.
Essa pesquisa foi publicada na
revista científica britânica "Nature" no mês passado por Peter Buston, da Universidade Cornell
(EUA), e é um bom exemplo da
argumentação de Roughgarden.
Desde a década de 70 já se sabia
que peixes podiam mudar de sexo. O próprio Darwin reconhecia
que entre cavalos-marinhos os
papéis sexuais estavam trocados
-é o macho quem cuida dos
ovos fertilizados numa bolsa no
seu corpo. Mas Darwin achava
que isso era uma exceção rara.
"As exceções são tão numerosas
que imploram por uma explicação", diz hoje a bióloga.
O naturalista britânico Charles
Robert Darwin (1809-1882) criou
a teoria da seleção natural para
explicar a evolução das espécies.
Trata-se do processo pelo qual os
organismos mais adaptados ao
ambiente tendem a sobreviver e a
transmitir suas características genéticas aos descendentes -a chamada "sobrevivência dos mais
aptos". Afora fanáticos religiosos,
há consenso entre os biólogos de
que a seleção natural darwiniana é
a base da evolução.
Já o conceito de seleção sexual é
polêmico -ainda mais agora. Segundo Darwin, seria a maneira
pela qual a seleção natural perpetuaria certas características de um
sexo que seriam atraentes para o
outro. O caso clássico é a cauda do
pavão, que, apesar de colocar a vida do macho em risco se ele precisar fugir de um predador, seria
um atrativo espetacular para as
fêmeas. Os resultados em termos
de sexo compensariam eventuais
desvantagens de outro tipo.
Novos estudos com animais
bem variados, de peixes a lagartos
e macacos, têm mostrado que a
noção de machos combatentes
competindo por fêmeas submissas está longe de ser a norma no
reino animal. Na guerra, no amor
e no sexo, vale tudo. Porque longe
de serem passivas, as fêmeas também ditam as regras.
Alvo de preconceito
Além de procurar entender o
papel do sexo na natureza,
Roughgarden procura defender a
diversidade entre os seres humanos -lembrando que ela própria
costuma ser alvo de preconceito.
Ficou particularmente irritada
com um livro recente do pesquisador Michael Bailey sobre o
comportamento de transexuais,
repleto de preconceitos e estereótipos, segundo ela.
No livro de Bailey sobrou até
para os brasileiros e os que os
americanos em geral chamam de
"latinos", que seriam mais propensos à transexualidade.
"Eu acredito que os comentários de Bailey sobre latinas transgêneras são racistas e o tenho criticado publicamente por essa
conduta ultrajante", diz. "Pessoas
transgêneras estão presentes em
todos os grupos étnicos e, pelo
que se sabe, em frequência igual
em toda parte e através da história. Um dado de 1 em 1.000 parece
apropriado. Em grandes países,
isso soma um bocado de gente."
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