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Química faz "contrabando" para burlar veto dos EUA
Brasileiros se dizem cerceados por restrição americana à venda de alta tecnologia
Cientista de MG precisou
trazer nanotubo de carbono
na mala após ter pedido de
compra negado; no CBPF,
estudos foram cancelados
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Cientistas brasileiros precisaram "contrabandear" nanotubos de carbono, um produto
químico de alta tecnologia usado em pesquisa básica, após terem um pedido de compra negado por uma empresa dos Estados Unidos.
O caso aconteceu em 2005 e
foi relatado ontem pela química Adelina Pinheiro Santos, do
Laboratório de Química de Nanoestruturas do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia
Nuclear, órgão da CNEN (Comissão Nacional de Energia
Nuclear) em Belo Horizonte. É
mais um exemplo de restrições
que têm sido impostas a cientistas brasileiros por normas de
exportação em vigor nos EUA.
Ontem a Folha revelou que a
fabricante de computadores
Dell tentou impor restrição à
compra de equipamentos pelo
físico Paulo Gomes, da Universidade Federal Fluminense,
exigindo que ele assinasse um
termo declarando que não usaria o computador "na produção
de armas de destruição em
massa" nem que transferisse os
equipamentos a cidadãos de
países do "eixo do mal", como
Cuba, Irã e Coréia do Norte.
Cientistas ouvidos pelo jornal afirmam que vários grupos
de pesquisa no país têm sido
cerceados pelos EUA na importação de produtos considerados sensíveis, como fibras de
carbono, sensores eletrônicos
de alta freqüência e material
para pesquisa nanotecnológica.
Os americanos temem uso militar desses componentes -como em centrífugas de urânio.
"O Brasil integra uma lista de
países chamados "sensíveis",
que têm um alto grau de proibição", disse à Folha Ricardo
Galvão, diretor do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas). "Somos continuamente
foco desse cerceamento, que eu
acho inaceitável."
O próprio Galvão já sentiu a
proibição na pele, também em
2005, ao tentar receber de colaboradores portugueses uma
peça que continha equipamentos de microondas. Depois de
muita espera, descobriu que a
peça vinda da Europa havia sido desviada para os EUA, que
barraram seu envio ao Brasil. A
pesquisa que usaria o equipamento não pôde ser feita.
Em outra ocasião, os americanos chegaram a proibir o
Cern, o Centro Europeu de Física Nuclear, na Suíça, de mandar dispositivos microeletrônicos para serem testados no
Brasil. "Precisaram fazer tudo
lá, com tecnologia mais cara."
Nanotubos na mala
Adelina Santos, da CNEN, teve mais sorte, graças ao tamanho do material de que precisava -e da ajuda de um colega
que trabalhava nos EUA.
No primeiro semestre de
2005, ela tentou comprar 1 grama de nanotubos de carbono da
empresa americana Carbon
Nanotechnologies Inc. para
uma pesquisa no desenvolvimento de polímeros. Nanotubos são tubos compostos de
átomos de carbono com milionésimos de milímetro de comprimento. Sua produção, no entanto, é tão sofisticada que,
apesar de nano, seu preço é mega: 1 g custa US$ 500.
Mas nem com o dinheiro na
mão Santos conseguiu o material. A resposta da empresa foi
dada por e-mail: "Infelizmente
não somos autorizados a vender para o Brasil no momento.
O governo dos EUA tem regulações estritas no tocante à exportação de certos materiais".
"Eles ainda foram gentis comigo", brinca a cientista. "Uma
colega minha mandou uma solicitação no mês passado e nem
recebeu resposta."
"Tive de pedir a um colega
que estava nos EUA na época
para fazer a compra. Nos encontramos num congresso, ele
me passou o material, botei na
mala morrendo de medo e
trouxe. Vê só que situação!"
Galvão, do CBPF, diz que o
governo brasileiro deveria negociar com os EUA o alívio às
proibições. "Nem o Chile tem
tantas." Por enquanto, o físico
protesta como pode. "Eu, pessoalmente, não compro mais
computadores Dell."
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