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São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 2003

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ARQUEOLOGIA

Sedimentos marinhos mostram que quatro períodos de estiagem antecederam a decadência daquele povo

Secas provocaram declínio dos maias, confirma pesquisa

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

A falta d'água levou ao colapso a civilização maia, uma das mais importantes da América, antes da chegada dos colonizadores europeus. Novos estudos com sedimentos do fundo do mar, feitos por pesquisadores nos EUA e na Suíça, mostraram que um longo período de estiagem, incluindo quatro secas severas, caracterizou o momento de decadência dos maias, nos séculos 9 e 10 d.C.
A civilização maia localizava-se na região compreendida pelo sul do México, Guatemala e Belize. Ela estava no auge do seu desenvolvimento cultural quando começou o colapso, caracterizado por exemplo pelo abandono pela população das suas grandes cidades. Uma delas, Tikal, chegou a ter 60 mil habitantes, e hoje é um grande conjunto de ruínas tomado pela floresta tropical.
Como a escrita maia só começou a ser aos poucos conhecida a partir dos anos 50 do século passado, essa civilização e o seu fim constituíam um grande mistério.
Além da mudança no clima, as hipóteses para o colapso envolvem a exploração excessiva de um ecossistema frágil, revoltas internas ou o constante estado de guerra externa.
Os achados arqueológicos revelam a importância da água para os maias. As cidades maias têm estruturas para coleta da água da chuva, além de conterem um grande número de reservatórios.
As primeiras pistas sobre as secas que teriam afetado essa civilização foram estudos feitos com sedimentos em lagos na península de Yucatán, sul do México. Segundo o estudo de David Hodell, da Universidade da Flórida, publicado pela revista científica "Science" em 2001, haveria um ciclo de seca de 208 anos, um dos quais em torno do ano 900 d.C.

Testemunho distante
A nova pesquisa está publicada na edição de hoje da mesma revista, assinado por Gerald Haug, do Instituto Federal Suíço de Tecnologia, de Zurique, e mais cinco colaboradores.
Eles pesquisaram os sedimentos da bacia de Cariaco, no litoral da Venezuela, caracterizada por ser um leito oceânico com pouco oxigênio e, portanto, pouco revirado por seres vivos.
Os sedimentos que ali se acumulam têm origem em parte em terra, levados pelos rios, principalmente durante o verão tropical (época mais chuvosa).
Em outro momento, no inverno, mais seco, os sedimentos vêm do próprio oceano, quando há maior concentração de organismos vivos na superfície e consequente deposição de microfósseis no leito oceânico.
O resultado é visível, com faixas de sedimentos mais escuros, de origem terrestre, e outras de sedimentos claros, de origem marinha, se alternando, criando um registro da intensidade das estações seca e chuvosa por milhares de anos. Os pesquisadores usaram a variação na quantidade do elemento químico titânio nessas faixas para montar o quadro da mudança climática antiga.

Ligação
A bacia de Cariaco está situada no limite norte da chamada Zona de Convergência Intertropical (ITCZ), linha climática na qual ventos dos hemisférios norte e sul se encontram, afetando o regime de chuvas. A bacia e a península de Yucatán estão na mesma área de influência da convergência.
Além de mostrar uma tendência geral a um clima mais seco durante o período conhecido como era clássica tardia da civilização maia (de 600 a 900 d.C.), o registro do titânio nos sedimentos indicou secas intensas durante os anos 760, 810, 860 e 910 d.C.
"Padrões recorrentes de seca tiveram um papel importante na complexa história dos maias. A civilização maia se desenvolveu em um deserto sazonal e dependia de um ciclo de chuva consistente para apoiar a produção agrícola", afirmam Haug e colegas.
De 750 a 950 d.C. ocorreu o grande desastre demográfico, com a concentração da população caindo de cerca de 200 para 100 habitantes por quilômetro quadrado e o abandono de várias cidades-Estado.


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