São Paulo, quarta-feira, 14 de abril de 2004

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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Programador está sob suspeita

Internautas questionam existência de programa caçador de pedófilos

CHARLES ARTHUR
DO "INDEPENDENT"

A internet parece ter traído o pesquisador britânico que afirma ser o criador de um programa capaz de entrar em salas de bate-papo e fingir ser uma pessoa, com o objetivo de identificar possíveis pedófilos em busca de vítimas na rede mundial de computadores.
O suposto sucesso de Jim Wightman foi noticiado na revista britânica "New Scientist" e reproduzido por diversos veículos ao redor do mundo [a Folha republicou a reportagem da revista em 23 de março]. Horas depois de sua divulgação, usuários da internet começaram a coçar a cabeça e dizer: "Espere um minuto...".
Lendo a transcrição de uma "conversa" na "New Scientist", supostamente entre um dos "robôs" de Wightman e um usuário de bate-papo, muitas pessoas começaram a questionar como um programador completamente desconhecido poderia ter criado o que parecia ser o maior salto em inteligência artificial em décadas.

Caça às informações
Elas então passaram a usar o site de busca Google (www.google.com) para descobrir mais sobre Wightman. Ele não permaneceu desconhecido por muito tempo. O site que ele criou para divulgar seus robôs fornecia pouca informação (um endereço de e-mail e um de trabalho, nos detalhes de registro do site), que pôde ser usada para um rastreamento na Usenet, a rede de grupos de notícias, para a localização de suas contribuições anteriores.
(O Google tem o arquivo completo de contribuições na Usenet, indo até o ano zero da internet. Se você não quiser que seus acréscimos apareçam lá, precisa colocar "X-No-Archive" no cabeçalho de suas mensagens.)
Eles reviraram o Google à procura de qualquer pista do que Wightman havia feito no passado. Isso revelou mensagens ocasionalmente furiosas em vários grupos de notícias; algumas poucas mensagens irritadas em fóruns de discussão de especialistas; e uma porção de polêmicas em que Wightman pode ter se envolvido ao longo dos anos.
Também revelou exemplos de afirmações que ele fez e que não foram posteriormente confirmadas por outras evidências. Goste ele ou não, suas pegadas -ou impressões digitais, melhor dizendo- estão espalhadas por toda a web e a Usenet.

Falta de evidências
Infelizmente para ele, e para a reportagem da "New Scientist", não há evidência alguma que sugira que ele tem a habilidade em inteligência artificial exigida para criar um programa bem-sucedido a ponto de fazer a pergunta "Você viu Robocop na noite passada?" e, ao receber a resposta "Em que número estava passando?", responder "Sky One".
Pense um pouco nesse modo de falar. "Número" adquire significado especial apenas no contexto da televisão; entender que isso é equivalente a "canal" é algo que aprendemos apenas com a experiência. Para um computador, é uma relação difícil de fazer.
Conforme mais análises começaram a surgir, com links espalhados por inúmeros blogs, a web ficou tomada de informações -e dúvidas- sobre a existência dos robôs de Wightman.

Respostas evasivas
Eu mesmo o contatei diversas vezes para tentar chegar ao fundo das afirmações e contra-afirmações. Ele insiste que os robôs existem e que o programa de IA foi inscrito por uma companhia -que ele não mencionou- para o Prêmio Loebner, em que programas de IA tentam enganar um comitê humano e convencê-lo de que são também humanos.
Esse teste, proposto pelo pai da moderna ciência da computação, Alan Turing, pretende verificar se uma máquina pode realmente pensar. Wightman insiste que vai vencer. (As inscrições acabam em 1º de agosto, e a disputa começa duas semanas depois. Já anotei na minha agenda.)
A essa altura é impossível determinar se as afirmações de Wightman são falsas ou verdadeiras. De forma interessante, a "New Scientist" parece estar começando a alimentar suspeitas. Seu site agora diz: "Sérias dúvidas foram trazidas à nossa atenção sobre essa reportagem. Conseqüentemente, nós a retiramos do ar enquanto investigamos sua veracidade".
Enquanto a verdade não aparece, cada um pode formar sua própria opinião: faça uma busca no Google e procure um link em www.waxy.org, que oferece a maior coleção de endereços que contêm informações úteis para ajudá-lo a se decidir.

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