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São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2003

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Astrofísico consegue alcançar nível mínimo de detecção de planetas extra-solares, 2,5 massas terrestres, e diz ser possível encontrar corpos menores com telescópios comuns

OUTRAS TeRRAS

Divulgação/Nasa - 14.jun.2002
Imagem feita pela Nasa, agência espacial dos Estados Unidos, mostra a Terra vista do espaço; até hoje, nenhum planeta com dimensões terrestres foi ainda confirmado pelos astrônomos fora do Sistema Solar


Reinaldo José Lopes
free-lance para a Folha

Foi-se o tempo em que achar um planeta além do Sistema Solar era motivo de comemoração. No momento em que este texto está sendo escrito, já há 110 deles identificados, e a conta não mostra sinais de estacionar tão cedo. Coisa muito diferente, no entanto, é topar com uma outra Terra -um planeta com seus 40 mil km de circunferência, orbitando sua própria estrela a uma distância que se encaixe na chamada zona habitável, onde a água é líquida, e a vida, em princípio, possível. Quase todo mundo parece estar convencido de que é melhor deixar a busca por esses corpos para a nova geração de telescópios espaciais, que começará a trabalhar no fim desta década e começo da próxima. Todo mundo, menos Laurance Doyle. "Francamente, acho que estamos cerca de uma década à frente do nosso tempo nisso", diz o astrofísico norte-americano, que responde de maneira pouco ortodoxa quando lhe perguntam quantos anos tem: "Cinquenta órbitas em torno do Sol, mas, se você estiver se referindo às moléculas que foram feitas dentro de uma supernova algum tempo atrás, diria que um pouco menos de 13,7 bilhões de anos seria uma boa idade". Como seus colegas do Instituto Seti (sigla em inglês para "busca por inteligência extraterrestre"), o pesquisador é um apaixonado pela busca de formas de vida fora da Terra, mas faz isso esquadrinhando os céus à procura de planetas que possam abrigá-la, em vez de analisar possíveis sinais de rádio enviados por civilizações alienígenas através do espaço. A especialidade de Doyle, que trabalha em Mountain View, na Califórnia, são as estrelas binárias ou duplas. Elas convivem dentro do mesmo sistema solar girando em torno de um centro de gravidade comum. Foi em torno de uma dupla dessas (estranha para quem se acostumou com o solitário Sol da Terra, mas bastante comum Via Láctea afora) que o astrofísico chegou o mais perto possível de uma Terra do que qualquer outra pessoa até agora. Ele flagrou um possível planeta com apenas 2,5 massas terrestres, cuja existência ainda precisa ser confirmada.

Anãs vermelhas
O candidato a Terra vem do sistema CM Draconis, na constelação do Dragão, a 54 anos-luz da Terra -uma bagatela em termos galácticos. Ali, duas anãs vermelhas giram separadas por uma distância (bastante curta) de cerca de 5 milhões de quilômetros (3,76 vezes o raio do Sol). A configuração da dupla estelar é tal que elas formam o que os astrônomos costumam chamar de binárias eclipsantes. Nesse tipo de sistema, as estrelas giram uma em torno da outra diante da linha de visão de quem está na Terra, de forma que elas acabam se eclipsando mutuamente em intervalos regulares. "Quando ocorre esse alinhamento exato, elas produzem uma luz mínima que nos diz exatamente qual o período orbital delas", explica Doyle. As duas estrelas são as menores e mais próximas eclipsantes binárias que os cientistas conhecem. A vantagem de mexer com esse sistema complicado para caçar uma possível nova Terra, aliás, está diretamente ligada ao tamanho das estrelas. Não é nada simples detectar um planeta, mesmo dos grandes, fora do Sistema Solar: a luminosidade do objeto celeste é baixa, e as distâncias, grandes demais. Por essa razão é que os pesquisadores têm de se contentar com evidências indiretas. Pode ser apenas um leve bamboleio da estrela que está sendo vasculhada, causado pela ação gravitacional do planeta que passa por ali. Ou, então, um suave enfraquecimento na luminosidade do astro, que teria parte de sua luz tapada pelo possível planeta em movimento. Acontece que os discos estelares (as faces dos astros visíveis por telescópio) de ambas as estrelas de CM Draconis têm uma área que equivale a menos de 1/12 do disco do Sol (quando se comparam os diâmetros, a coisa fica menos desigual: as duas têm um quarto da dimensão solar). Por isso, a passagem de um planeta pequeno seria capaz de causar um obscurecimento significativo da estrela -e de ser flagrada a partir da Terra.

Limite de detecção
Na teoria, a coisa até parece simples, mas a equipe de Doyle precisou de mais de mil horas de observação em telescópios com espelhos de um metro de diâmetro para conseguir dados confiáveis, que pudessem apontar candidatos planetários. Como a idéia era investigar o que poderia estar acontecendo na zona habitável do sistema, os pesquisadores se restringiram a uma região relativamente pequena em torno das estrelas, na qual as órbitas dos possíveis planetas variariam de 7 dias a 35 dias. Nesse intervalo, eles receberiam quantidades de energia estelar compatíveis com as que os planetas terrestres do Sistema Solar (Mercúrio, Vênus, Terra e Marte) recebem do Sol. "Além de observar uma binária pequena, também desenvolvemos um algoritmo de detecção de trânsito", diz Doyle. Trocando em miúdos: o sistema criava modelos matemáticos da passagem de planetas diante das estrelas (cujo nome técnico é "trânsito") e os casava com as observações feitas pelo grupo. "Tivemos de testar cerca de 570 milhões de modelos no caso da CM Draconis", conta o astrofísico. O método computacional de filtragem foi adotado pela missão Kepler, da Nasa, que pretende lançar um telescópio espacial para busca de planetas parecidos com a Terra em 2007. Mas o ponto alto foi encontrar um candidato a planeta dando uma volta completa em torno das estrelas a cada 22,57 dias, com uma massa de apenas 2,5 vezes a da Terra. Ao contrário das outras buscas por planetas fora do Sistema Solar, o trabalho não revelou planetas gigantes como Júpiter. O problema agora é confirmar a existência do pequeno planeta, diz Doyle. "Predissemos um par de trânsitos, que aconteceram, mas os três seguintes deram errado. Acho que isso pode ter acontecido porque o plano orbital planetário é inclinado, mas, como nas épocas em que a Lua produz eclipses solares, as órbitas estavam alinhadas, de forma que nós conseguimos verificar trânsitos por algum tempo. Então a órbita mudou, e os trânsitos pararam. Teremos de esperar por um novo alinhamento para ver se é verdade, mas isso ainda deve demorar alguns anos."

Sem trânsito
Apesar desse revés, que ele espera ser temporário, Doyle defende o método e diz ser possível reduzir ainda mais o tamanho mínimo dos planetas detectáveis: "A precisão que nós conseguimos para o sistema CM Draconis, se aplicada a estrelas únicas como a Proxima Centauri [a estrela mais próxima do Sistema Solar, a 4,2 anos-luz], tornaria possível detectar a passagem de um verdadeiro planeta do tamanho da Terra". Depois do trabalho original com o sistema, publicado em 2000 pela revista científica "The Astrophysical Journal" (www.journals.uchicago.edu/ApJ), Doyle aperfeiçoou o método, permitindo que ele seja aplicado a binárias com tamanho semelhante ao do Sol, ou mesmo sem a necessidade de trânsitos.
Para o pesquisador do Seti, o grande problema é conseguir tempo suficiente, em telescópios maiores, para detectar planetas terrestres a partir do chão. A coisa pode se tornar mais complicada: "Doyle é um astrofísico brilhante. Seu trabalho ao tentar detectar planetas tipo Terra em volta de CM Draconis levou a detecção de planetas ao limite", avalia Geoffrey Marcy, da Universidade da Califórnia em Berkeley, um dos principais caçadores de planetas fora do Sistema Solar em atividade.
"A estrela binária de CM Draconis é um caso especial, talvez único. A chance de que mesmo um grande telescópio encontre planetas terrestres em torno de CM Draconis é menos de 5%, provavelmente menos de 1%. As pessoas têm tentado por dez anos, e todo mundo fracassou", afirma Marcy, para quem há sérias dúvidas de que mesmo as missões espaciais, como a Kepler, consigam de fato algum vislumbre de outros planetas terrestres.
O otimismo de Doyle, no entanto, parece inabalável. Ele já se volta para novas possibilidades, como estimar que tipo de vida poderia existir numa Terra extra-solar. Esses seriam os chamados "filtros de exobiologia" -marcas de vida extraterrestre no espectro luminoso do planeta. "Por exemplo, acho interessante o fato de que as folhas da floresta amazônica sejam capazes de polarizar a luz. Esse seria um bom jeito de detectar florestas em outros planetas? Talvez. Esse é o tipo de pensamento e pesquisa que precisa ser feito."


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