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Ciência em Dia
Patacoadas transgênicas
Marcelo Leite
editor de Ciência
Está difícil ler coisas sérias sobre alimentos transgênicos, contra ou a favor, em particular na imprensa leiga. Na
véspera da tardia decisão do Executivo
federal sobre a questão, muita gente que
pouco ou nada entendia do riscado se
meteu a pontificar sobre biotecnologia.
Foi chute e lobby para todo lado.
Houve até quem dissesse que os inimigos dos transgênicos os atacam porque
provocariam alterações da genética humana, o que constitui um disparate duplo. Para o bem da verdade, registre-se
que esse argumento ensandecido nunca
foi usado por adversários dos OGMs (organismos geneticamente modificados).
Teme-se pela passagem de transgenes
das plantas engenheiradas para ervas daninhas aparentadas (e é bom que se diga
que a soja não tem parentes silvestres no
Brasil). No máximo, para bactérias do
trato intestinal humano, hipótese ainda
muito polêmica (o que não impede os
mais exaltados de aventá-la, para apavorar um pouco mais o consumidor).
Seres humanos comem há milênios
um bocado de DNA (genes) nas células
animais e vegetais que ingerem. Nem por
isso começaram a mugir, a criar penas
ou a fazer fotossíntese. Mesmo crus e vivos, plantas e bichos não têm a capacidade de enxertar os próprios genes em outros organismos, como fazem os vírus.
De vez em quando, porém, o desalento
é temperado por algum texto inteligente.
É mais provável que isso ocorra numa
língua estrangeira, como o inglês. Foi o
caso do artigo "Unnatural Selection" (seleção não-natural), de Allison Snow, da
Universidade Estadual de Ohio (EUA).
Saiu na seção Concepts da revista científica "Nature" (www.nature.com) de 7 de
agosto, mas não perderá tão cedo a validade -ao contrário do que há para ler
na Terra dos Papagaios. Confira na pág.
619 da publicação científica britânica.
Snow já havia atraído atenção em agosto de 1998, quando uma pesquisa sua
mostrou que transgenes inseridos na canola (Brassica napus) se transferiam para ervas daninhas do mesmo gênero, como a Brassica rapa. Pior, o estudo comprovava que a erva daninha continuava
bem de saúde depois de assimilar o gene
estrangeiro, contrariando previsão dos
defensores dos transgênicos de que se
tornaria inviável.
Snow não é uma inimiga dos OGMs,
mas sim uma cientista. Parte do texto é
uma defesa da expressão "geneticamente engenheirado" (GE, em lugar de "geneticamente modificado", GM). Segundo ela, "GE" descreve com mais precisão
o que fazem os biólogos moleculares.
Exatidão terminológica, como se sabe, é
condição essencial da pesquisa científica.
No campo mais programático, Snow
afirma no artigo, com todas as letras:
"Variedades geneticamente engenheiradas que aumentem colheitas, melhorem
a saúde humana e tornem a agricultura
mais sustentável devem ser encorajadas". Mas também afirma que "a promessa humanitária dos OGEs está no futuro, mais do que nos produtos hoje usados", e que "os principais riscos da tecnologia ainda estão eles próprios por se
manifestar, provavelmente".
Opiniões abalizadas como a de Snow
bastam, ou deveriam bastar, para pôr
um grão de sal nas afirmações de que há
um consenso entre cientistas a favor dos
transgênicos. Depende do cientista e depende do transgênico. Mas quem vai se
dar ao trabalho de ler o que ela tem para
dizer, se a decisão já está tomada e as cabeças, feitas?
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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