São Paulo, sábado, 15 de junho de 2002

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CÉREBRO

Estudo feito por brasileira no Canadá mostra que crianças de oito meses podem reter peça complicada na memória

Bebês reconhecem músicas complexas

CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Esqueça o "nana nenê". Um estudo realizado no Canadá por uma pesquisadora brasileira mostra que bebês conseguem assimilar músicas complexas e se lembrar delas semanas depois.
O trabalho foi apresentado no último dia 6 no encontro da Sociedade Acústica Americana, em Pittsburgh (EUA) pela musicista Beatriz Ilari, da Universidade McGill. Ele ajuda a abaixar o tom da noção comum de que crianças são mal equipadas para lidar com complexidade musical e que, portanto, devem ouvir melodias simples nos primeiros meses de vida.
"Nunca acreditei nisso como professora", diz Ilari, 30, que está concluindo o doutorado na Faculdade de Música de McGill.
Segundo a brasileira, a idéia de que bebês só assimilam músicas mais simples vem das canções de ninar e foi difundida por pediatras e educadores do mundo inteiro em meados da década de 90, após a publicação de um estudo nos EUA que dizia que ouvir Mozart tornava os bebês crianças mais inteligentes depois.
"O problema é que o experimento que revelou o "efeito Mozart" nunca foi replicado."

Ravel
Para investigar se as crianças eram capazes de se lembrar de música complexa, a equipe de Ilari expôs dois grupos de bebês de oito meses de idade a um prelúdio ou a uma forlana (uma dança) da obra "Le Tombeau de Couperin", de Maurice Ravel (1875-1937), compositor impressionista francês famoso por seu "Bolero".
A peça é considerada complicada em relação a obras de Mozart (1756-1791) e Bach (1685-1750). "As composições antigas seguiam regras mais rígidas", afirma Ilari. "No século 20, a forma de combinar notas mudou. A música passou a conter mais informação".
Os 30 bebês testados no experimento ouviam o prelúdio ou a forlana de Ravel três vezes ao dia durante dez dias.
No final do período, as crianças foram levadas para o laboratório da universidade, onde os pesquisadores as submeteram a um teste que media o seu interesse por determinadas músicas.
Durante o teste, a criança tinha a atenção despertada por uma luz piscando numa parede. Após alguns segundos a luz apagava e uma música passava a tocar num alto-falante escondido até que o bebê virasse a cabeça em outra direção, sinal de perda de interesse.
"Nossos resultados indicam que essas crianças mostraram preferência pela peça de piano que ouviram", afirmam as pesquisadoras no artigo.
Bebês que haviam ouvido o prelúdio em casa prestavam mais atenção nele do que na forlana e vice-versa. Um grupo de crianças que não tinha ouvido nenhuma das duas músicas previamente não prestou atenção a elas.
Após duas semanas, período no qual os bebês não voltaram a ouvir as músicas, o teste foi repetido, com o mesmo resultado.
Os resultados obtidos no final dos testes foram, então, comparados a dados de estudos anteriores que usaram o mesmo procedimento para avaliar a capacidade de bebês de reconhecer fala humana, por meio de histórias, e músicas de Mozart.
A assimilação é medida por um índice, que relaciona o tempo que os bebês passaram prestando atenção aos sons.
Nos dois casos (voz e Mozart) o índice de retenção de memória foi em média quatro vezes maior. A retenção das peças de Ravel foi considerada média. "Ainda assim, os bebês foram capazes de aprender com música simples e complexa", disse a brasileira.
Uma série de estudos nos últimos anos tem demonstrado que os bebês têm um ouvido de fazer inveja a qualquer músico. "Eles reconhecem a voz da mãe aos três dias de vida e, aos seis meses, começam a diferenciar a língua materna de outras", disse Ilari.

Educação
O novo estudo ajuda a ampliar os superpoderes auditivos infantis conhecidos, embora os pesquisadores ainda não saibam como isso se relaciona ao desenvolvimento do cérebro.
No entanto, acima de tudo, Ilari acredita que possa influenciar na educação musical das crianças -ajudando a descobrir, por exemplo, se existe um tipo de música adequado para elas.
"Os pais não precisam ficar nessa euforia de tocar o que não gostam por causa da criança. Eles podem tocar qualquer coisa -desde que o bebê não chore."



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