|
Próximo Texto | Índice
CÉREBRO
Estudo feito por brasileira no Canadá mostra que crianças de oito meses podem reter peça complicada na memória
Bebês reconhecem músicas complexas
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
Esqueça o "nana nenê". Um estudo realizado no Canadá por
uma pesquisadora brasileira
mostra que bebês conseguem assimilar músicas complexas e se
lembrar delas semanas depois.
O trabalho foi apresentado no
último dia 6 no encontro da Sociedade Acústica Americana, em
Pittsburgh (EUA) pela musicista
Beatriz Ilari, da Universidade
McGill. Ele ajuda a abaixar o tom
da noção comum de que crianças
são mal equipadas para lidar com
complexidade musical e que, portanto, devem ouvir melodias simples nos primeiros meses de vida.
"Nunca acreditei nisso como
professora", diz Ilari, 30, que está
concluindo o doutorado na Faculdade de Música de McGill.
Segundo a brasileira, a idéia de
que bebês só assimilam músicas
mais simples vem das canções de
ninar e foi difundida por pediatras e educadores do mundo inteiro em meados da década de 90,
após a publicação de um estudo
nos EUA que dizia que ouvir Mozart tornava os bebês crianças
mais inteligentes depois.
"O problema é que o experimento que revelou o "efeito Mozart" nunca foi replicado."
Ravel
Para investigar se as crianças
eram capazes de se lembrar de
música complexa, a equipe de Ilari expôs dois grupos de bebês de
oito meses de idade a um prelúdio
ou a uma forlana (uma dança) da
obra "Le Tombeau de Couperin",
de Maurice Ravel (1875-1937),
compositor impressionista francês famoso por seu "Bolero".
A peça é considerada complicada em relação a obras de Mozart
(1756-1791) e Bach (1685-1750).
"As composições antigas seguiam
regras mais rígidas", afirma Ilari.
"No século 20, a forma de combinar notas mudou. A música passou a conter mais informação".
Os 30 bebês testados no experimento ouviam o prelúdio ou a
forlana de Ravel três vezes ao dia
durante dez dias.
No final do período, as crianças
foram levadas para o laboratório
da universidade, onde os pesquisadores as submeteram a um teste
que media o seu interesse por determinadas músicas.
Durante o teste, a criança tinha
a atenção despertada por uma luz
piscando numa parede. Após alguns segundos a luz apagava e
uma música passava a tocar num
alto-falante escondido até que o
bebê virasse a cabeça em outra direção, sinal de perda de interesse.
"Nossos resultados indicam que
essas crianças mostraram preferência pela peça de piano que ouviram", afirmam as pesquisadoras no artigo.
Bebês que haviam ouvido o prelúdio em casa prestavam mais
atenção nele do que na forlana e
vice-versa. Um grupo de crianças
que não tinha ouvido nenhuma
das duas músicas previamente
não prestou atenção a elas.
Após duas semanas, período no
qual os bebês não voltaram a ouvir as músicas, o teste foi repetido,
com o mesmo resultado.
Os resultados obtidos no final
dos testes foram, então, comparados a dados de estudos anteriores
que usaram o mesmo procedimento para avaliar a capacidade
de bebês de reconhecer fala humana, por meio de histórias, e
músicas de Mozart.
A assimilação é medida por um
índice, que relaciona o tempo que
os bebês passaram prestando
atenção aos sons.
Nos dois casos (voz e Mozart) o
índice de retenção de memória foi
em média quatro vezes maior. A
retenção das peças de Ravel foi
considerada média. "Ainda assim, os bebês foram capazes de
aprender com música simples e
complexa", disse a brasileira.
Uma série de estudos nos últimos anos tem demonstrado que
os bebês têm um ouvido de fazer
inveja a qualquer músico. "Eles
reconhecem a voz da mãe aos três
dias de vida e, aos seis meses, começam a diferenciar a língua materna de outras", disse Ilari.
Educação
O novo estudo ajuda a ampliar
os superpoderes auditivos infantis conhecidos, embora os pesquisadores ainda não saibam como
isso se relaciona ao desenvolvimento do cérebro.
No entanto, acima de tudo, Ilari
acredita que possa influenciar na
educação musical das crianças
-ajudando a descobrir, por
exemplo, se existe um tipo de música adequado para elas.
"Os pais não precisam ficar nessa euforia de tocar o que não gostam por causa da criança. Eles podem tocar qualquer coisa -desde que o bebê não chore."
Próximo Texto: Panorâmica - Memória: Programas de TV com violência e sexo dificultam memorização de comerciais Índice
|