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A casa caiu
Jornalista conta em livro como o aquecimento global já afeta o planeta
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
São muito poucas as
pessoas que podem
dizer que assistiram
ao fim do mundo e
voltaram para contar
a história. A jornalista americana Elizabeth Kolbert é uma delas. E que história ela conta:
quem ainda tem uma pontinha
de dúvida sobre a dimensão do
estrago que o aquecimento global já está causando deveria
imediatamente ler "Planeta
Terra em Perigo", livro de Kolbert recém-lançado no Brasil.
Quem acha, por outro lado,
que a crise climática pode ou
vai ser solucionada antes que
seja tarde demais talvez não
devesse nem abrir o livro: em
vez de se render a uma visão
otimista do futuro da humanidade, como faz Al Gore, Kolbert prefere se ater aos fatos.
E os fatos são feios.
A americana, que passou
anos cobrindo política antes de
se debruçar sobre a questão
ambiental, foi destacada pela
revista "The New Yorker" para
correr o mundo atrás de evidências do aquecimento global.
Isso aconteceu em 2004, antes
de Gore lançar seu filme, quando a sigla IPCC ainda precisava
de explicação.
Kolbert viajou da Groenlândia à Antártida, visitou vilas esquimós que precisaram mudar
de lugar devido ao degelo marinho no Ártico, viu casas rachadas pela desintegração do permafrost no Alasca. E falou com
cientistas, dezenas de cientistas. O resultado foi a série de
três reportagens "The Climate
of Man", expandida e editada
em 2005 nos EUA na forma do
livro "Fieldnotes From a Catastrophe" ("Diário de uma Catástrofe" -título inexplicavelmente alterado, para pior, na
edição brasileira).
O que a repórter viu foi o começo do fim do mundo como o
conhecemos. Talvez a elevação
sem precedentes nos níveis de
dióxido de carbono na atmosfera não seja o momento final
da civilização ou a extinção da
espécie humana. Mas certamente o aquecimento global do
Antropoceno (Período geológico marcado pela transformação da Terra pelo homem) mudará a face do planeta com uma
velocidade jamais observada.
Mudanças climáticas bruscas, explica a autora, sempre fizeram parte da história da Terra. Mas a civilização humana,
iniciada com a invenção da
agricultura, há 10 mil anos,
coincidiu com um período de
estabilidade ímpar do clima,
após a última era glacial.
Lições dos acádios
Do clima benigno dependeram os assentamentos humanos permanentes que deram
origem às cidades e, com o tempo, à sociedade moderna. Ao
lançar gás carbônico no ar para
gerar energia e mover carros e
fábricas, os seres humanos já
estão rompendo essa estabilidade. E clima instável significa
fome, guerra e morte.
Que o diga o império acádio,
criado há 4.300 anos na Mesopotâmia. Kolbert conta sobre
as pesquisas científicas que
concluíram que os acádios foram extintos devido a uma mudança climática brusca -natural- por volta de 2.200 a.C.
"Pegos de surpresa, os acádios atribuíram sua sorte à vingança divina", escreve. "Por outro lado, as alterações climáticas previstas para o próximo
século podem ser atribuídas a
forças cujas causas são conhecidas e cuja magnitude pode ser
determinada por nós."
Determinar o tamanho do
impacto tem sido muito mais
fácil do que convencer os governos a agir a tempo de evitá-lo. Em um dos pontos altos do
livro, Kolbert descreve em tom
de tragicomédia seu encontro
com Paula Dobriansky, funcionária da diplomacia de George
W. Bush encarregada durante
oito anos de bloquear toda e
qualquer tentativa de acordo
internacional contra emissões.
Dobriansky responde a todas
as questões da repórter com a
mesma frase: "Nós agimos,
aprendemos e depois agimos
novamente". Kolbert não precisa de muitas palavras e não
usa sequer um adjetivo para
qualificar a posição do governo
de seu país sobre o tema.
As críticas, no entanto, não se
voltam apenas aos Estados
Unidos. A expansão das termelétricas a carvão na China, relata a autora, anula "em menos de
duas horas e meia" a economia
de energia feita em uma década
pela cidade americana de Burlington, no ecologicamente
correto Estado de Vermont.
Por sua sobriedade, "Planeta
Terra em Perigo" aparentemente funciona como uma espécie de antídoto ao alarmismo
escatológico das ONGs. Trata-se, no entanto, de mera aparência. Kolbert expressa suas opiniões pela boca de seus entrevistados. Um deles, Robert Socolow, da Universidade de
Princeton, dá o recado: "Já trabalhei em vários setores nos
quais havia as opiniões dos leigos e opiniões dos cientistas.
Quase sempre os leigos são
mais ansiosos (...) No caso do
clima, os especialistas são justamente os mais preocupados".
LIVRO - "Planeta Terra em Perigo -O
Que Está, de Fato, Acontecendo no
Mundo"
Elizabeth Kolbert; tradução Beatriz
Velloso; ed. Globo, 214 págs., R$ 27
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