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MEDICINA
Experimento americano sugere alternativa de combate à esterilidade em homens com a ajuda de camundongos
Roedor fabrica espermatozóide de porco
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Primeiro o cientista castra o camundongo. Depois implanta, sob
sua pele, um pedaço de testículo
extraído de cabrito recém-nascido. Após algumas semanas, sacrifica o roedor e extrai dele espermatozóides caprinos perfeitos.
Pode parecer uma travessura
noturna do sr. Hyde no laboratório do dr. Jekyll, mas é só uma
pesquisa pioneira, que pode abrir
horizontes no tratamento de infertilidade em homens submetidos aos agressivos tratamentos
contra o câncer.
Combater um tumor hoje em
dia não é brincadeira. Os atuais
métodos de combate à doença são
muito debilitantes, e muitas vezes
a quimioterapia e a radioterapia
levam um paciente à esterilidade.
Isso pode ocorrer independentemente de onde as células cancerosas estejam localizadas.
Fertilidade preservada
Em geral, quando um paciente
vai ser submetido a um tratamento antitumor, é possível manter
sua chance de ser pai biológico
com a extração de amostras de sêmen e sua preservação criogênica.
"Isso é o que é feito atualmente",
afirma Nilson Donadio, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo .
Entretanto, quando se trata de
um tumor infantil, é possível que
o menino ainda não produza espermatozóides. "Para esses casos,
atualmente, a possibilidade de esse menino vir a ser pai no futuro é
praticamente nula", afirma Agnaldo Cedenho, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
A nova pesquisa, na edição de
hoje da revista britânica "Nature"
(www.nature.com), parece oferecer um caminho para resolver a
questão. Ela parte da premissa de
que é possível extrair um pedaço
de testículo, o maquinário responsável pela produção de espermatozóides, e implantá-lo em um
outro animal. Lá, ele amadureceria e se tornaria um órgão funcional, constituindo uma fonte quase
inesgotável de espermatozóides
com o DNA do paciente prestes a
se tornar estéril.
Os cientistas da Universidade
da Pensilvânia, nos EUA, testaram essa hipótese implantando
pedaços de testículo de camundongos, porcos e bodes sob a pele
de outros camundongos. Descobriram, ao dissecar o animal algumas semanas depois da implantação, que o tecido alienígena se desenvolvera a ponto de produzir
espermatozóides funcionais.
"Foi surpreendente para nós
que os hormônios de camundongo fossem perfeitamente capazes
de sustentar a espermatogênese
[processo pelo qual se formam os
espermatozóides" de porcos e bodes", disse à Folha Ina Dobrinski,
uma das autoras do estudo.
Caso a técnica funcione para
humanos, poderia tornar-se uma
esperança para meninos afetados
pelas terapias anticâncer. A direção mais simples seria, em princípio, retirar uma amostra do testículo do paciente, realizar toda a
quimioterapia e radioterapia necessária e então reimplantar o tecido no paciente.
Não é incomum a reincidência
de tumores, o que voltaria a
ameaçar a fertilidade do paciente.
O uso de animais como "fábricas"
de espermatozóides seria uma solução definitiva. Mas é cedo sequer para dizer que ela funciona,
quanto mais para aplicá-la.
"Deixe-me enfatizar que não fizemos esse trabalho em humanos, então tudo é no máximo extrapolação, agora", diz Dobrinski.
"Isso tudo é experimental", concorda Cedenho. "Mas o caminho
à frente vai nessa direção."
Desafios éticos e médicos
Por mais que o impedimento de
ser pai seja frustrante para qualquer um, a técnica pode cobrar
um preço muito alto pela manutenção da esperança. "Como com
todas as técnicas que envolvem
tecido reprodutivo humano e
transplantes entre espécies, há
questões éticas que precisam ser
respondidas", diz Dobrinski.
Além do simples fato de que
muitos podem não gostar da idéia
de inseminar a mulher com espermatozóide geneticamente humano, mas fabricado no interior
de um camundongo, há diversas
questões médicas que precisam
ser respondidas.
"É preciso muito cuidado com
isso", diz Cedenho. "Viroses que
num animal não causam mal nenhum podem se tornar mortais se
transferidas a humanos", afirma,
relembrando alguns dos perigos
da mistura de tecidos humanos e
animais. Ele aponta, por exemplo,
que a versão símia do vírus da
Aids pouco faz aos chimpanzés,
mas, depois de transferida a humanos, se revelou letal.
Dobrinski concorda: "Obviamente, antes que essa técnica possa ser aplicada a humanos, muitas
questões de segurança terão de
ser tratadas em estudos animais
cuidadosamente conduzidos".
Mesmo fora das fronteiras humanas, a pesquisa é promissora.
Dobrinski acredita que o método
pode ajudar a preservar espécies
ameaçadas de extinção. Mas, acima de tudo, ela acredita em elucidar muitas das dúvidas dos biólogos sobre os processos de formação de células germinativas.
"Eu acho que, apesar das implicações da preservação da fertilidade em humanos e espécies
ameaçadas, a técnica terá seu uso
imediato maior para o estudo da
espermatogênese em diferentes
espécies e como uma ferramenta
para avaliar os efeitos de substâncias farmacêuticas ou tóxicas em
fertilidade masculina."
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