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Os prefeitos contra Bush
Governantes de quase 300 cidades americanas desistem de esperar pelo governo federal e passam a agir sozinhos contra o efeito estufa
DO "LE MONDE"
Uma manhã de setembro em Santa
Barbara, Califórnia. Numa sala do
hotel Four Seasons, dezenas de pessoas discutem, tomam ar, buscam um café. Se um grupo terrorista decidisse agir ali, a quase totalidade
dos prefeitos das maiores cidades americanas sumiria de uma
vez. Nesse dia, a Conferência
dos Prefeitos dos Estados Unidos se reúne em segredo. Tema
do encontro: o ambiente.
Flashback. Em junho de
2005, a Conferência anuncia
que 168 prefeitos de 37 Estados
aplicariam em suas cidades o
Protocolo de Kyoto, que o presidente do país se recusou a ratificar. Em um acordo adotado
por unanimidade, eles prometem "pressionar o governo federal e os Estados a aplicar as
políticas que permitirão reduzir as emissões de gases-estufa
em 7% até 2012 em relação aos
níveis de 1990. Demandam "esforços para reduzir a dependência americana de energias
fósseis, para acelerar o desenvolvimento de recursos energéticos limpos, como as energias solar e eólica e os biocombustíveis (...)" e propõem medidas a aplicar na esfera local.
"Nós nos esforçaremos para
atingir e até ultrapassar as metas de Kyoto", diz Greg Nickels,
prefeito democrata de Seattle e
autor da proposta. Em mangas
de camisa, copo d'água na mão,
ele explica: "Em 16 de fevereiro
de 2005, quando o Protocolo
de Kyoto entrou em vigor sem
os EUA, eu pedi a redução das
emissões de gases-estufa em
Seattle. O problema é global; é
preciso agir conjuntamente".
Após a declaração pública,
Nickels tratou de estender sua
ação ao plano nacional. "Pensamos em alguns prefeitos que
seriam receptivos a esse tipo de
mensagem", disse.
Entre eles Martee Blum, de
Santa Barbara. Em seu escritório, a frágil sexagenária relembra com gosto o espírito da
aventura. "Recebi um convite
de Greg! Ele é um pouco o guru
de todos nós, é formidável!" Ela
sorri e continua: "Nós éramos
apenas oito prefeitos quando
nos encontramos em Wisconsin, em pleno inverno, às margens do lago Michigan. Era bonito, mas nos sentíamos isolados. Falamos do aquecimento
global tentando ver que tipo de
política poderíamos executar.
Ao nos darmos conta de que
80% da população americana
vive nas cidades, entendemos
que Greg Nickels tinha razão.
Nós podemos agir no nosso nível, mesmo numa cidade pequena como a minha, em face
da falta de ação do governo."
Na volta da reunião, os oito
mandaram 700 cartas pedindo
a aplicação de Kyoto, com o objetivo de convencer uma centena de prefeitos. Em junho, o
anúncio oficial afirmava que
168 prefeitos haviam assinado
o acordo. Hoje eles são 294, representando 49,2 milhões de
habitantes (de 290 milhões) e
44 Estados (de 50). A maioria
dos signatários é democrata,
mas não faltam republicanos
de alta monta, como Michael
Bloomberg, de Nova York.
Em Santa Barbara, Blum nomeou um coordenador de Desenvolvimento Sustentável,
que atua junto à indústria e ao
comércio para fazer respeitar o
limite de emissões. Ele também apóia ações mais simbólicas, como a Associação Linha
Azul-Clara. Ela quer pintar nas
fachadas dos prédios um traço
azul que simbolizará o nível
que os oceanos subirão no caso
de derretimento de geleiras.
Antonio Villaraigosa, prefeito democrata de Los Angeles,
quer ser até 2010 o homem que
terá feito plantar 1 milhão de
árvores e terá permitido a 85%
dos donos de automóveis usar
combustíveis alternativos.
Albuquerque, no Novo México, quer ir "mais longe" que as
metas do Protocolo de Kyoto.
"E podemos fazê-lo sem o governo federal", diz seu prefeito,
Martin Chavez. Questionado
sobre se não é preciso fazer o
chamado à Casa Branca, ele
responde secamente: "Não me
interessa envergonhar meu
presidente no cenário internacional. Eu prefiro agir."
Exterminador do carbono
E os prefeitos não estão sozinhos. Os Estados do Nordeste,
de Massachusetts à Pensilvânia, aprovaram uma iniciativa
que visa reduzir emissões em
10% até 2019. A iniciativa foi de
George Pataki, governador de
Nova York -um republicano.
Mas o passo mais radical foi
dado pelo governador da Califórnia, o também republicano
Arnold Schwarzenegger. No
fim de agosto, o "Exterminador" aprovou uma lei que estabelece uma redução drástica
das emissões de gás carbônico
(o principal gás-estufa) de seu
Estado, o maior poluidor dos
EUA: 25% até 2020. "Isso não
terá impacto real sobre o clima
da Califórnia", contesta Ken
Caldeira, do Departamento de
Ecologia da Universidade Stanford. Só vai funcionar se o resto
do mundo fizer a mesma coisa."
Mesmo assim, o "Governator" parece pronto para a guerra. Apenas três semanas após a
aprovação da nova lei, o Estado
entrou na Justiça contra as seis
maiores indústrias automobilísticas do país. Motivo: "Risco
ao público causado pela produção de milhões de veículos que
emitem quantidades maciças
de dióxido de carbono".
A Conferência dos Prefeitos
já planeja sabatinar os candidatos à Presidência em 2008, nas
primárias do ano que vem. "Seja republicano ou democrata, o
futuro presidente deverá encampar a luta contra o aquecimento global", diz Greg Nickels. "Não há tempo a perder."
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