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+Marcelo Leite
Freezers no corredor
Vânia e Marco Prado recriaram em roedores um defeito cognitivo social
Ojornalista que freqüenta laboratórios de cientistas brasileiros nas áreas de biomédicas e
adjacências se espanta quando visita
os de seus colegas que tiveram o mérito e a sorte de trabalhar num país rico,
como os EUA. A primeira coisa que
chama a atenção são os corredores desimpedidos. Nenhum freezer à vista.
Por certo há exceções tupiniquins.
Alguns pesquisadores, também por
mérito e/ou sorte (além de habilidade
política), conquistam espaços amplos
para produzir experimentos em condições minimamente dignas. Não precisam mover para fora do laboratório
os freezers onde são armazenadas
amostras biológicas.
Dois exemplos paulistanos vêm à
mente. Um é o Centro de Estudos do
Genoma Humano, capitaneado por
Mayana Zatz (atual pró-reitora de
Pesquisa da USP), Outro: o Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração (Incor),
comandado por José Eduardo Krieger. Corredores sem freezers à vista.
Espaço não falta.
O mesmo se pode ver nas instalações conquistadas por brasileiros no
exterior, como as de Miguel Nicolelis
na Universidade Duke. Vá lá que em
algumas salas seus liderados se apinhem em escrivaninhas minúsculas,
abarrotadas de papéis, bolas de tênis,
fotografias, canudos com pôsteres
apresentados em congressos. A balbúrdia habitual de gente com muitas
coisas na cabeça e pouco tempo para
organizá-las fora dos artigos que têm
de escrever de tempos em tempos.
A usina nicoleliana, que andava
meio distante do noticiário, voltou a
ele nesta semana. Um trabalho do
grupo saiu no periódico "Journal of
Neuroscience", relatando o papel do
neurotransmissor dopamina no sono.
Espera-se que a descoberta lance alguma luz sobre a esquizofrenia, assim
como o papel da dopamina no mal de
Parkinson causou furor quando foi
detectado. Reflexos culturais brilhantes da descoberta podem ser admirados em obras como o livro "Tempo de
Despertar", de Oliver Sacks, o filme
homônimo (1990) de Penny Marshall
e a peça "Uma Espécie de Alasca", do
Nobel de Literatura Harold Pinter.
Pouco mais de um mês atrás, outro
artigo importante de brasileiros sobre
um neurotransmissor havia sido publicado noutro periódico internacional respeitado, "Neuron". Vânia e
Marco Prado, entre outros, conseguiram diminuir a eficiência de neurônios modificando geneticamente o nível de produção da acetilcolina em cérebros de camundongos.
Recriaram num animal, por essa
via, uma deficiência cognitiva social:
os roedores alterados tinham dificuldade para reconhecer outros aos quais
já haviam sido apresentados. Supõe-se que seja similar à demência de portadores do mal de Alzheimer.
Os Prados produziram os camundongos geneticamente modificados
na mesma Duke onde trabalha Nicolelis (com o qual mantêm colaboração,
de resto). Agora dispõem de um financiamento de US$ 200 mil para modificar outros animais aqui mesmo, na
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde trabalha o casal.
Não têm previsão, contudo, de
quando vão poder iniciar a produção
de roedores engenheirados. Trata-se
de uma ferramenta de pesquisa muito
popular hoje em dia na área biomédica. É uma das maneiras mais diretas
de descobrir a função de um gene, por
exemplo -basta silenciá-lo e ver o que
acontece com o bicho.
O motivo do adiamento na UFMG é
prosaico: falta de espaço. Não têm onde abrigar novas colônias de camundongos. Mesmo sem conhecer seu laboratório, dá para imaginar corredores cheios de freezers.
MARCELO LEITE é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor do livro paradidático "Pantanal, Mosaico das
Águas" (Editora Ática) e responsável pelo blog Ciência
em Dia (www.cienciaemdia.zip.net).
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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