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Rifkin prevê uma "internet da energia"
DA REDAÇÃO
No futuro, a energia será como
a internet: cada cidadão terá em
sua casa ou em seu carro uma célula de combustível que produzirá
energia a partir de hidrogênio,
com poluição zero. O excesso dessa produção caseira poderá ser
devolvido à rede elétrica, com o
uso de softwares específicos.
A proposta vem do economista
americano Jeremy Rifkin, da
Foundation on Economic Trends.
Ele é um dos mais conhecidos críticos da globalização e uma espécie de guru do movimento ambientalista. Rifkin, que veio ao
Brasil nesta semana para lançar
seu último livro, "A Economia do
Hidrogênio" (editora M. Books),
prevê o pico na produção mundial de petróleo para as próximas
duas décadas.
Segundo o economista, o hidrogênio acoplado à internet pode
mudar a estrutura do poder na
Terra e, ao mesmo tempo, eliminar a instabilidade no Oriente
Médio, contrabalançando o aquecimento global provocado pela
queima de petróleo e derivados.
"A junção de comunicações
descentralizadas com geração
distributiva de energia é a terceira
revolução industrial", afirmou.
Leia abaixo trechos da entrevista à Folha.
(CA)
Folha - O sr. anuncia a chegada da
era do hidrogênio num momento
em que a agenda mundial está tomada por um conflito em torno do
petróleo. Não é um contra-senso?
Jeremy Rifkin - É o indicativo do
fim de uma era. Por um lado, estamos no meio do Iraque, a segunda maior reserva de petróleo do
mundo. Vamos estacionar tropas,
parece, em todo o Oriente Médio,
onde estão as últimas reservas.
Estamos no rumo das últimas três
ou quatro décadas de uma grande
era que começou com o carvão e
termina no Oriente Médio.
O que é interessante aqui são as
projeções sobre o petróleo. A visão dominante do governo americano, da OECD e da Agência Internacional de Energia é que, num
cenário intermediário, a 2% de
crescimento, nós vamos chegar
ao pico de produção em 2037.
Mas, nos últimos três anos, os melhores geólogos do mundo têm
usado modelos de computador e
dizem que os números estão errados. Podemos chegar ao pico em
2010 ou, no máximo, 2020.
Folha - Nos anos 70, os geólogos
usaram também os modelos matemáticos mais atualizados e previram que as reservas acabariam em
1992. Por que devemos acreditar
nos pessimistas desta vez?
Rifkin - O que aconteceu nos
anos 80 foi que nós encontramos
grandes reservas. No mar do Norte, a produção já chegou ao pico.
No mar Cáspio, o pico será em
2010. Estive recentemente na Pemex [estatal mexicana do petróleo], e
o presidente disse
que chegariam ao
pico em 2010.
A questão é: vamos encontrar mais
reservas? Sim. Mas
estamos consumindo dois barris para
cada barril que
achamos. É inquestionável. Há outros
combustíveis fósseis, areia de alcatrão no Canadá,
óleo pesado na Venezuela, carvão mineral no Brasil e nos
EUA. O problema é
ambiental: emitem
muito CO2.
Folha - Mas o cenário político hoje não
favorece as discussões sobre mudança climática. E há novas tecnologias possíveis de prospecção e
extração de combustíveis fósseis.
Rifkin - A eficiência de recuperação de óleo de poços cresceu de
33% para 40%, 50% e, depois,
60%, 70% de taxa de recuperação.
Isso está embutido nas curvas de
crescimento e declínio. O fato é
que todas as grandes reservas foram encontradas. Não vamos
achar novas Arábias Sauditas.
Quanto à mudança climática, o
ano passado sem dúvida foi interessante para o público. O público
não liga muito para mudança climática, mas no ano passado houve enchentes-recorde na Europa e
seca-recorde na América do Norte, com incêndios florestais imensos. E na Ásia houve a nuvem
marrom, com 100 mil mortos de
doenças respiratórias. Não quero
fazer muito disso, mas há o começo de uma discussão familiar.
Folha - O sr. diz que o hidrogênio
tem o potencial para descentralizar o mercado de energia e "reinventar a globalização" de baixo para cima. Como?
Rifkin - As grandes mudanças na
história econômica acontecem
por dois motivos: um, a forma como as pessoas usam energia, e
dois, como as pessoas se comunicam umas com as outras para organizar o uso da energia. Quando
existe uma convergência entre esses dois fatores, temos um ponto de
virada. A missão
econômica da imprensa de Gutemberg só ficou clara
quando James Watt
inventou o motor a
vapor. Não se poderia organizar a primeira revolução industrial só com códices de monastério. O telégrafo e o
telefone convergiram com o motor
de combustão a petróleo e se tornaram a forma de comunicação para a
segunda revolução
industrial.
Nós temos uma
revolução de comunicações significativa nos anos 90.
Tecnologia digital, computadores
pessoais, internet.
Estamos no começo de uma
convergência entre a revolução
descentralizada nas comunicações dos anos 90 e a geração distributiva descentralizada de energia de hidrogênio nas primeiras
três décadas do século 21: você pega a sua célula a combustível. É
análogo ao seu computador pessoal. Você gera a sua própria
energia. Centenas de milhões de
pessoas com células a combustível em casa e nos carros. O excesso você devolve para a rede. Mas,
para isso, terá de reconfigurar toda a rede de energia do Brasil.
A missão das HPs, Microsofts
etc. será descentralizar as redes de
energia do mundo para que sejam
inteligentes, como a World Wide
Web. Quando gerar excesso de
eletricidade em sua casa ou indústria, você poderá mandá-lo por
meio de software para quem quiser. A junção de comunicações
descentralizadas com geração
distributiva de energia é a terceira
revolução industrial.
Folha - Esse tipo de transição
energética só costuma acontecer
quanto há uma necessidade econômica premente. Hoje, o que temos
é petróleo barato e em abundância. Por que ela aconteceria?
Rifkin - Primeiro, o barril está
US$ 25. Eu não acho que isso seja
barato. Os motivos são três: aquecimento global, a dívida externa
dos países do Terceiro Mundo,
que está aumentando a instabilidade política e social e minando a
globalização, e, terceiro, o aumento dos problemas geopolíticos e
militares no Oriente Médio.
Aqui está a chave: por 30 anos,
nós estivemos sonhando com
energia renovável. Mas o problema é que você não pode ter uma
sociedade de energia renovável
sem hidrogênio. Ele é uma energia secundária. O Brasil é o melhor exemplo. Vocês são o único
grande país industrial que tem
uma matriz energética renovável,
de 87%. Mas a eletricidade de vocês foi embora em 2001 porque
houve seca. Se vocês tivessem
conversores para transformar o
excedente de energia em hidrogênio, não teriam tido problema.
Folha - Qual deve ser o papel do
Brasil nesse mercado?
Rifkin - Todo mundo está olhando para Lula neste momento. Eles
esperam dele um novo mapa para
a globalização. A globalização falhou porque ela é estreita demais,
porque o sistema de combustíveis
fósseis é de cima para baixo. O
Brasil está no meio do caminho,
porque 87% da sua energia é renovável. O que falta é meio de estocar essa energia. O Brasil pode
ser um modelo se criar um mapa
de transição para o hidrogênio
como o que está sendo desenhado
na Europa. Pode ser a primeira
grande economia do mundo a fazer essa transição.
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