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São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 2003

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Rifkin prevê uma "internet da energia"

DA REDAÇÃO

No futuro, a energia será como a internet: cada cidadão terá em sua casa ou em seu carro uma célula de combustível que produzirá energia a partir de hidrogênio, com poluição zero. O excesso dessa produção caseira poderá ser devolvido à rede elétrica, com o uso de softwares específicos.
A proposta vem do economista americano Jeremy Rifkin, da Foundation on Economic Trends. Ele é um dos mais conhecidos críticos da globalização e uma espécie de guru do movimento ambientalista. Rifkin, que veio ao Brasil nesta semana para lançar seu último livro, "A Economia do Hidrogênio" (editora M. Books), prevê o pico na produção mundial de petróleo para as próximas duas décadas.
Segundo o economista, o hidrogênio acoplado à internet pode mudar a estrutura do poder na Terra e, ao mesmo tempo, eliminar a instabilidade no Oriente Médio, contrabalançando o aquecimento global provocado pela queima de petróleo e derivados.
"A junção de comunicações descentralizadas com geração distributiva de energia é a terceira revolução industrial", afirmou.
Leia abaixo trechos da entrevista à Folha. (CA)

Folha - O sr. anuncia a chegada da era do hidrogênio num momento em que a agenda mundial está tomada por um conflito em torno do petróleo. Não é um contra-senso?
Jeremy Rifkin -
É o indicativo do fim de uma era. Por um lado, estamos no meio do Iraque, a segunda maior reserva de petróleo do mundo. Vamos estacionar tropas, parece, em todo o Oriente Médio, onde estão as últimas reservas. Estamos no rumo das últimas três ou quatro décadas de uma grande era que começou com o carvão e termina no Oriente Médio.
O que é interessante aqui são as projeções sobre o petróleo. A visão dominante do governo americano, da OECD e da Agência Internacional de Energia é que, num cenário intermediário, a 2% de crescimento, nós vamos chegar ao pico de produção em 2037. Mas, nos últimos três anos, os melhores geólogos do mundo têm usado modelos de computador e dizem que os números estão errados. Podemos chegar ao pico em 2010 ou, no máximo, 2020.

Folha - Nos anos 70, os geólogos usaram também os modelos matemáticos mais atualizados e previram que as reservas acabariam em 1992. Por que devemos acreditar nos pessimistas desta vez?
Rifkin -
O que aconteceu nos anos 80 foi que nós encontramos grandes reservas. No mar do Norte, a produção já chegou ao pico. No mar Cáspio, o pico será em 2010. Estive recentemente na Pemex [estatal mexicana do petróleo], e o presidente disse que chegariam ao pico em 2010.
A questão é: vamos encontrar mais reservas? Sim. Mas estamos consumindo dois barris para cada barril que achamos. É inquestionável. Há outros combustíveis fósseis, areia de alcatrão no Canadá, óleo pesado na Venezuela, carvão mineral no Brasil e nos EUA. O problema é ambiental: emitem muito CO2.

Folha - Mas o cenário político hoje não favorece as discussões sobre mudança climática. E há novas tecnologias possíveis de prospecção e extração de combustíveis fósseis.
Rifkin -
A eficiência de recuperação de óleo de poços cresceu de 33% para 40%, 50% e, depois, 60%, 70% de taxa de recuperação. Isso está embutido nas curvas de crescimento e declínio. O fato é que todas as grandes reservas foram encontradas. Não vamos achar novas Arábias Sauditas.
Quanto à mudança climática, o ano passado sem dúvida foi interessante para o público. O público não liga muito para mudança climática, mas no ano passado houve enchentes-recorde na Europa e seca-recorde na América do Norte, com incêndios florestais imensos. E na Ásia houve a nuvem marrom, com 100 mil mortos de doenças respiratórias. Não quero fazer muito disso, mas há o começo de uma discussão familiar.

Folha - O sr. diz que o hidrogênio tem o potencial para descentralizar o mercado de energia e "reinventar a globalização" de baixo para cima. Como?
Rifkin -
As grandes mudanças na história econômica acontecem por dois motivos: um, a forma como as pessoas usam energia, e dois, como as pessoas se comunicam umas com as outras para organizar o uso da energia. Quando existe uma convergência entre esses dois fatores, temos um ponto de virada. A missão econômica da imprensa de Gutemberg só ficou clara quando James Watt inventou o motor a vapor. Não se poderia organizar a primeira revolução industrial só com códices de monastério. O telégrafo e o telefone convergiram com o motor de combustão a petróleo e se tornaram a forma de comunicação para a segunda revolução industrial.
Nós temos uma revolução de comunicações significativa nos anos 90. Tecnologia digital, computadores pessoais, internet.
Estamos no começo de uma convergência entre a revolução descentralizada nas comunicações dos anos 90 e a geração distributiva descentralizada de energia de hidrogênio nas primeiras três décadas do século 21: você pega a sua célula a combustível. É análogo ao seu computador pessoal. Você gera a sua própria energia. Centenas de milhões de pessoas com células a combustível em casa e nos carros. O excesso você devolve para a rede. Mas, para isso, terá de reconfigurar toda a rede de energia do Brasil.
A missão das HPs, Microsofts etc. será descentralizar as redes de energia do mundo para que sejam inteligentes, como a World Wide Web. Quando gerar excesso de eletricidade em sua casa ou indústria, você poderá mandá-lo por meio de software para quem quiser. A junção de comunicações descentralizadas com geração distributiva de energia é a terceira revolução industrial.

Folha - Esse tipo de transição energética só costuma acontecer quanto há uma necessidade econômica premente. Hoje, o que temos é petróleo barato e em abundância. Por que ela aconteceria?
Rifkin -
Primeiro, o barril está US$ 25. Eu não acho que isso seja barato. Os motivos são três: aquecimento global, a dívida externa dos países do Terceiro Mundo, que está aumentando a instabilidade política e social e minando a globalização, e, terceiro, o aumento dos problemas geopolíticos e militares no Oriente Médio.
Aqui está a chave: por 30 anos, nós estivemos sonhando com energia renovável. Mas o problema é que você não pode ter uma sociedade de energia renovável sem hidrogênio. Ele é uma energia secundária. O Brasil é o melhor exemplo. Vocês são o único grande país industrial que tem uma matriz energética renovável, de 87%. Mas a eletricidade de vocês foi embora em 2001 porque houve seca. Se vocês tivessem conversores para transformar o excedente de energia em hidrogênio, não teriam tido problema.

Folha - Qual deve ser o papel do Brasil nesse mercado?
Rifkin -
Todo mundo está olhando para Lula neste momento. Eles esperam dele um novo mapa para a globalização. A globalização falhou porque ela é estreita demais, porque o sistema de combustíveis fósseis é de cima para baixo. O Brasil está no meio do caminho, porque 87% da sua energia é renovável. O que falta é meio de estocar essa energia. O Brasil pode ser um modelo se criar um mapa de transição para o hidrogênio como o que está sendo desenhado na Europa. Pode ser a primeira grande economia do mundo a fazer essa transição.


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