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BIOTECNOLOGIA
Transcrição de genes ativos do causador da "barriga d'água" pode ajudar a romper resistência do parasita
DNA indica alvos contra esquistossomose
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Cientistas brasileiros publicaram ontem um verdadeiro arsenal genômico contra o principal
parasita causador da esquistossomose, mal que afeta 200 milhões
de pessoas em 74 países. O trabalho mapeia os genes ativos em seis
fases do ciclo de vida do verme e
sugere dezenas de novos alvos para vacinas e medicamentos que
possam vencer sua resistência.
O estudo, que está na revista
científica "Nature Genetics"
(www.nature.com/ng), cobre
cerca de 92% dos 14 mil genes que
devem compor o DNA do Schistosoma mansoni, verme responsável pela doença (conhecida no
Brasil como "barriga d'água") na
América Latina e na África.
"Queríamos mostrar que uma
estratégia genômica pode ser tão
importante para combater uma
doença típica de Terceiro Mundo
quanto a educação e a prevenção", diz Sérgio Verjovski-Almeida, 53, pesquisador do Instituto
de Química da USP e coordenador do estudo.
Para examinar somente os genes ativos do verme, a equipe
criou as chamadas ESTs (etiquetas de sequências expressas), geradas a partir do mRNA, ou RNA
mensageiro. É essa molécula que
põe em ação as informações contidas no DNA e inicia a produção
de proteínas na célula. Por isso, as
ESTs (cópias em formato DNA do
mRNA) são capazes de mostrar
quais genes estão mesmo ativos.
Estranho inimigo
As mais de 163 mil ESTs produzidas por Verjovski-Almeida e
seus colegas traçam um retrato bizarro desse velho inimigo da humanidade, cujos traços podem
ser encontrados até em múmias
egípcias. Para começar, apesar de
ser verme, ele parece estar geneticamente mais próximo dos insetos: "Na verdade, ele lembra mais
a drosófila [pequena mosca muito usada em experimentos genéticos] do que o C. elegans, que é outro tipo de verme", afirma o pesquisador da USP.
Esse é apenas um dos paradoxos do esquistossomo. Embora
seja um animal muito primitivo,
ele já tem esboços de quase todas
as características que existem em
seus parentes mais evoluídos, como os sistemas nervoso e hormonal. Ao mesmo tempo, o ciclo de
vida da criatura inclui coisas impensáveis para a maioria dos outros animais, como o fato de a fêmea se alojar no interior do corpo
do macho quando eles são adultos.
A esperança dos pesquisadores
é poder manipular características
específicas do S. mansoni para
criar novos medicamentos e vacinas. O praziquantel, medicamento mais utilizado hoje contra o parasita, é incapaz de impedir que as
pessoas sejam reinfectadas pelo
verme e já gerou linhagens resistentes do esquistossomo.
Um dos caminhos interessantes, sugere Verjovski-Almeida, seria tentar interferir numa espécie
de cortina de fumaça que o verme
lança no sistema de defesa do organismo. Ele secreta substâncias
muito parecidas com o veneno de
vespas e inicia uma resposta alérgica no hospedeiro, impedindo
que as células do sistema imune o
identifiquem como invasor.
Outra molécula produzida pelo
animal, parecida com uma toxina
de veneno de cobra, impede que o
sangue do doente coagule ao redor do verme (que vive imerso na
corrente sanguínea).
De acordo com a bioquímica
Luciana Cézar de Cerqueira Leite,
44, do Centro de Biotecnologia do
Instituto Butantan, os dados genômicos já estão sendo aplicados
em possíveis vacinas. "Oito moléculas foram testadas em camundongos, e duas delas mostraram
resultados animadores", afirma.
Uma das substâncias aparece na
membrana das células do parasita, e outra interage com o sistema
imune (de defesa) do hospedeiro.
A pesquisa recebeu financiamento da Fapesp (Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo) e do CNPq (Conselho
Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico). A Fapesp anunciou que vai pedir as
patentes dos genes mais promissores identificados pelo projeto.
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