São Paulo, quarta-feira, 17 de março de 2004

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ANÁLISE

Um novo rumo para o programa espacial

DO ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Por mais que tragédias nunca sejam bem-vindas, foi positivo que o acidente com o VLS-1, em agosto de 2003, tenha acontecido tão próximo à perda do ônibus espacial Columbia, nos EUA, em fevereiro daquele ano. De certo modo, os procedimentos adotados lá serviram como boa medida do que foi feito -e mais ainda do que deveria ter sido feito- aqui.
No caso americano, a divulgação do relatório da investigação da catástrofe foi apenas o primeiro passo numa longa caminhada. A Nasa precisou rever mentalidade, organização interna e critérios de segurança antes de pensar em retomar os vôos. Aqui, o governo brasileiro inicialmente preferiu outra rota. Primeiro marcou a data do novo vôo do VLS, até o final do mandato presidencial.
Só agora, com a divulgação do relatório, vêm as informações sobre o precário estado do programa. Ninguém pense que foi somente nesse lançamento que tudo deu errado e que os riscos e procedimentos foram todos ignorados. Hoje, fracassa um em cada dois foguetes suborbitais de sondagem lançados pelo IAE.
Relatório apresentado e chagas expostas, o discurso oficial começa a mudar. Como ocorreu nos EUA, o governo brasileiro se comprometeu a aderir às recomendações e a somente fazer uma nova tentativa de lançamento depois de pô-las em prática -mas insiste no lançamento até 2006.
Não é automática, entretanto, a transição entre mudança de discurso e mudança de atitude. Antes do diagnóstico pela comissão de investigação, o governo já se mexia para "consertar" o programa chamando os russos para terminar o que o IAE iniciara.
Nada contra uma parceria com os russos. Eles podem contribuir para o programa brasileiro com experiência e qualificação técnica. O que incomoda é o modo pelo qual a parceria foi forjada. A decisão de trazer os russos para uma revisão crítica do lançador foi tomada pelo Ministério da Defesa, sem envolvimento da AEB (Agência Espacial Brasileira), que supostamente deveria coordenar o programa espacial nacional.
Uma decisão feita sem transparência e sem participação da sociedade civil, como a série de decisões anteriores ao acidente que, apesar de ter sido fruto de uma seqüência infinda de falhas gerenciais, não teve responsáveis, segundo o Ministério da Defesa.
Nos EUA, a investigação do Columbia foi feita por uma comissão externa à Nasa, de forma aberta, com o objetivo de identificar a raiz das falhas que levaram à perda do ônibus espacial e as alterações necessárias ao programa.
Embora aqui a comissão de investigação chefiada pelo brigadeiro Marco Antonio Couto do Nascimento tenha sido instituída pela Aeronáutica para investigar a si própria, o resultado foi um relatório com características similares às do documento americano.
Lá estão contidas todas as recomendações para que o governo trace novos rumos e corrija o programa do VLS-1, de longe o mais atribulado da Missão Espacial Completa Brasileira, que prevê bases de lançamento, lançadores e satélites nacionais.
A primeira das recomendações, paradoxalmente, é a instituição de uma comissão independente para monitorar a implementação das demais instruções oferecidas pelo relatório. Fecha-se o ciclo. Está claro: é preciso abrir a caixa-preta do programa espacial. (SALVADOR NOGUEIRA)


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