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ANÁLISE
Um novo rumo para o programa espacial
DO ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Por mais que tragédias nunca
sejam bem-vindas, foi positivo
que o acidente com o VLS-1, em
agosto de 2003, tenha acontecido
tão próximo à perda do ônibus espacial Columbia, nos EUA, em fevereiro daquele ano. De certo modo, os procedimentos adotados lá
serviram como boa medida do
que foi feito -e mais ainda do
que deveria ter sido feito- aqui.
No caso americano, a divulgação do relatório da investigação
da catástrofe foi apenas o primeiro passo numa longa caminhada.
A Nasa precisou rever mentalidade, organização interna e critérios
de segurança antes de pensar em
retomar os vôos. Aqui, o governo
brasileiro inicialmente preferiu
outra rota. Primeiro marcou a data do novo vôo do VLS, até o final
do mandato presidencial.
Só agora, com a divulgação do
relatório, vêm as informações sobre o precário estado do programa. Ninguém pense que foi somente nesse lançamento que tudo
deu errado e que os riscos e procedimentos foram todos ignorados.
Hoje, fracassa um em cada dois
foguetes suborbitais de sondagem
lançados pelo IAE.
Relatório apresentado e chagas
expostas, o discurso oficial começa a mudar. Como ocorreu nos
EUA, o governo brasileiro se
comprometeu a aderir às recomendações e a somente fazer uma
nova tentativa de lançamento depois de pô-las em prática -mas
insiste no lançamento até 2006.
Não é automática, entretanto, a
transição entre mudança de discurso e mudança de atitude. Antes do diagnóstico pela comissão
de investigação, o governo já se
mexia para "consertar" o programa chamando os russos para terminar o que o IAE iniciara.
Nada contra uma parceria com
os russos. Eles podem contribuir
para o programa brasileiro com
experiência e qualificação técnica.
O que incomoda é o modo pelo
qual a parceria foi forjada. A decisão de trazer os russos para uma
revisão crítica do lançador foi tomada pelo Ministério da Defesa,
sem envolvimento da AEB (Agência Espacial Brasileira), que supostamente deveria coordenar o
programa espacial nacional.
Uma decisão feita sem transparência e sem participação da sociedade civil, como a série de decisões anteriores ao acidente que,
apesar de ter sido fruto de uma seqüência infinda de falhas gerenciais, não teve responsáveis, segundo o Ministério da Defesa.
Nos EUA, a investigação do Columbia foi feita por uma comissão
externa à Nasa, de forma aberta,
com o objetivo de identificar a
raiz das falhas que levaram à perda do ônibus espacial e as alterações necessárias ao programa.
Embora aqui a comissão de investigação chefiada pelo brigadeiro Marco Antonio Couto do Nascimento tenha sido instituída pela
Aeronáutica para investigar a si
própria, o resultado foi um relatório com características similares
às do documento americano.
Lá estão contidas todas as recomendações para que o governo
trace novos rumos e corrija o programa do VLS-1, de longe o mais
atribulado da Missão Espacial
Completa Brasileira, que prevê
bases de lançamento, lançadores
e satélites nacionais.
A primeira das recomendações,
paradoxalmente, é a instituição
de uma comissão independente
para monitorar a implementação
das demais instruções oferecidas
pelo relatório. Fecha-se o ciclo.
Está claro: é preciso abrir a caixa-preta do programa espacial.
(SALVADOR NOGUEIRA)
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