UOL


São Paulo, terça-feira, 17 de junho de 2003

Próximo Texto | Índice

PALEOBOTÂNICA

Revista especializada britânica publica trabalho teuto-sueco com descrição de planta contrabandeada do CE

Fóssil vegetal raro sai ilegalmente do Brasil

CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Um fóssil raro de 130 milhões de anos está ajudando os cientistas a fechar um buraco na história evolutiva das plantas. Ele teve sua descrição publicada na semana passada por um trio de pesquisadoras da Suécia e da Alemanha, que o classificam como "espetacular". Menos espetacular, talvez, seja o fato de a tal planta fóssil ter sido contrabandeada do Brasil.
A descoberta é um exemplo de como o tráfico de fósseis afeta a pesquisa nacional em favor de estrangeiros, principalmente europeus e japoneses.
O estudo descrevendo a nova espécie, a Cratonia cotyledon, foi publicado com destaque na última edição da revista "Biology Letters", da Royal Society (a maior academia de ciências do Reino Unido), por uma equipe liderada pela sueca Catarina Rydin, da Universidade de Estocolmo.
O fóssil foi descoberto na chapada do Araripe, no Ceará (veja mapa à dir.), e data do começo do Período Cretáceo (o último da era dos dinossauros, de 144 milhões a 65 milhões de anos atrás). Hoje ele pertence à coleção do Museu de História Natural de Berlim, que também abriga diversos insetos fósseis do Brasil, alguns deles ainda não descritos por cientistas.
"Posso dizer sem medo de errar que saiu ilegalmente, já que a exportação de fósseis é proibida no Brasil", diz José Artur de Andrade, um dos dois geólogos que o DNPM (Departamento Nacional da Produção Mineral) mantém para fiscalizar os 9.000 km2 da chapada do Araripe, um território quase do tamanho da Jamaica.
"Garantiram em Berlim que o fóssil havia sido obtido de forma regular", diz Rydin. É verdade: o museu adquiriu sua coleção do Araripe, com notas fiscais, de um negociante de fósseis que tem autorização para trabalhar na Alemanha. O caminho dos fósseis até chegarem "limpos" ao comprador final é que é tortuoso.
A legislação brasileira sobre o assunto, de 1942, estabelece que toda saída de fósseis precisa ter autorização do DNPM, o que não aconteceu nesse caso.
A planta do Cretáceo foi provavelmente comprada por um estrangeiro de intermediários brasileiros, que pagam valores irrisórios -como R$ 1- a trabalhadores rurais da região por espécimes retirados das inúmeras pedreiras de municípios como Santana do Cariri, Crato e Nova Olinda. Os espécimes são então vendidos em feiras paleontológicas ou a firmas autorizadas (o comércio é legal em alguns países) e vão parar em museus ou coleções particulares.
Outros grandes fósseis que saíram do Araripe para o exterior incluem pterossauros e pelo menos um dinossauro, o grande carnívoro Irritator challengeri.

Espécie única
O alemão Michael Schwickert, dono da empresa MS-Fossil e preso no ano passado no Ceará por comércio ilegal de fósseis, afirmou ter vendido ao museu de Berlim uma coleção da chapada do Araripe, "comprada de várias pessoas pela Europa". Segundo o DNPM, Schwickert está respondendo a processo em liberdade.
A Cratonia cotyledon é uma raridade por se tratar de um exemplar de planta com brotos e sementes. Pertence a um grupo vegetal considerado "fóssil vivo", o dos gnetales, cuja classificação ainda desafia os botânicos. "Esse grupo só tem três gêneros hoje, de distribuição limitada", afirmou Rydin. "Há muito tempo se suspeitava que esse grupo tivesse sido muito mais espalhado em períodos geológicos anteriores, e a Cratonia confirma essa idéia."
Além disso, pelo estudo das impressões de estruturas presentes no fóssil, Rydin e suas colegas Barbara Mohr e Else Frills concluíram que a nova espécie é relacionada a um outro "fóssil vivo": a planta africana "tumboa", nome científico Welwitschia, um vegetal esquisito com aspecto de peruca só encontrado na Namíbia e em Angola e sem nenhum parente vivo na Terra.
O parentesco entre as duas plantas é mais um reforço à tese de que a América do Sul e a África estiveram ligadas na era dos dinossauros, integrando o supercontinente Gonduana.
"Sementeiras fósseis são raras e este espécime completo com características de Welwitschia é espetacular", afirma o artigo.
"Imagine o que esse material poderia render para um paleobotânico brasileiro, com todo o conhecimento que teria sobre paleofloras do Brasil", lamenta Reinaldo José Bertini, paleobiólogo da Unesp de Rio Claro.


Próximo Texto: Ambiente: Comissão Internacional da Baleia vai criar comitê para preservação
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.