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PALEOBOTÂNICA
Revista especializada britânica publica trabalho teuto-sueco com descrição de planta contrabandeada do CE
Fóssil vegetal raro sai ilegalmente do Brasil
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
Um fóssil raro de 130 milhões de
anos está ajudando os cientistas a
fechar um buraco na história evolutiva das plantas. Ele teve sua
descrição publicada na semana
passada por um trio de pesquisadoras da Suécia e da Alemanha,
que o classificam como "espetacular". Menos espetacular, talvez,
seja o fato de a tal planta fóssil ter
sido contrabandeada do Brasil.
A descoberta é um exemplo de
como o tráfico de fósseis afeta a
pesquisa nacional em favor de estrangeiros, principalmente europeus e japoneses.
O estudo descrevendo a nova
espécie, a Cratonia cotyledon, foi
publicado com destaque na última edição da revista "Biology Letters", da Royal Society (a maior
academia de ciências do Reino
Unido), por uma equipe liderada
pela sueca Catarina Rydin, da
Universidade de Estocolmo.
O fóssil foi descoberto na chapada do Araripe, no Ceará (veja
mapa à dir.), e data do começo do
Período Cretáceo (o último da era
dos dinossauros, de 144 milhões a
65 milhões de anos atrás). Hoje
ele pertence à coleção do Museu
de História Natural de Berlim,
que também abriga diversos insetos fósseis do Brasil, alguns deles
ainda não descritos por cientistas.
"Posso dizer sem medo de errar
que saiu ilegalmente, já que a exportação de fósseis é proibida no
Brasil", diz José Artur de Andrade, um dos dois geólogos que o
DNPM (Departamento Nacional
da Produção Mineral) mantém
para fiscalizar os 9.000 km2 da
chapada do Araripe, um território
quase do tamanho da Jamaica.
"Garantiram em Berlim que o
fóssil havia sido obtido de forma
regular", diz Rydin. É verdade: o
museu adquiriu sua coleção do
Araripe, com notas fiscais, de um
negociante de fósseis que tem autorização para trabalhar na Alemanha. O caminho dos fósseis até
chegarem "limpos" ao comprador final é que é tortuoso.
A legislação brasileira sobre o
assunto, de 1942, estabelece que
toda saída de fósseis precisa ter
autorização do DNPM, o que não
aconteceu nesse caso.
A planta do Cretáceo foi provavelmente comprada por um estrangeiro de intermediários brasileiros, que pagam valores irrisórios -como R$ 1- a trabalhadores rurais da região por espécimes
retirados das inúmeras pedreiras
de municípios como Santana do
Cariri, Crato e Nova Olinda. Os
espécimes são então vendidos em
feiras paleontológicas ou a firmas
autorizadas (o comércio é legal
em alguns países) e vão parar em
museus ou coleções particulares.
Outros grandes fósseis que saíram do Araripe para o exterior incluem pterossauros e pelo menos
um dinossauro, o grande carnívoro Irritator challengeri.
Espécie única
O alemão Michael Schwickert,
dono da empresa MS-Fossil e preso no ano passado no Ceará por
comércio ilegal de fósseis, afirmou ter vendido ao museu de
Berlim uma coleção da chapada
do Araripe, "comprada de várias
pessoas pela Europa". Segundo o
DNPM, Schwickert está respondendo a processo em liberdade.
A Cratonia cotyledon é uma raridade por se tratar de um exemplar de planta com brotos e sementes. Pertence a um grupo vegetal considerado "fóssil vivo", o
dos gnetales, cuja classificação
ainda desafia os botânicos. "Esse
grupo só tem três gêneros hoje, de
distribuição limitada", afirmou
Rydin. "Há muito tempo se suspeitava que esse grupo tivesse sido muito mais espalhado em períodos geológicos anteriores, e a
Cratonia confirma essa idéia."
Além disso, pelo estudo das impressões de estruturas presentes
no fóssil, Rydin e suas colegas
Barbara Mohr e Else Frills concluíram que a nova espécie é relacionada a um outro "fóssil vivo":
a planta africana "tumboa", nome científico Welwitschia, um vegetal esquisito com aspecto de peruca só encontrado na Namíbia e
em Angola e sem nenhum parente vivo na Terra.
O parentesco entre as duas
plantas é mais um reforço à tese
de que a América do Sul e a África
estiveram ligadas na era dos dinossauros, integrando o supercontinente Gonduana.
"Sementeiras fósseis são raras e
este espécime completo com características de Welwitschia é espetacular", afirma o artigo.
"Imagine o que esse material
poderia render para um paleobotânico brasileiro, com todo o conhecimento que teria sobre paleofloras do Brasil", lamenta Reinaldo José Bertini, paleobiólogo
da Unesp de Rio Claro.
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