São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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Ciência em Dia

Um portal para a pesquisa brasileira

Marcelo Leite
editor de Ciência

Está na hora de começar a pensar grande sobre ciência no Brasil. E pensar grande, no caso, significa engajar uma parcela tão ampla quanto possível do público -antes que ele seja conquistado por redes internacionais, como os portais em gestação pelas revistas "Nature" (britânica) e "Science" (americana).
Virou moda, por exemplo, falar que a produção nacional -mais de 10 mil artigos publicados em revistas internacionais de primeira linha- cresceu 450% entre 1981 e 2001, portanto muito acima da média mundial de 67%. Só que ninguém atenta como deveria para o fato de que o país saiu de um patamar ínfimo e, apesar de tanto avanço, continua em 17º lugar no ranking dos países. Produz-se aqui mero 1,4% do total mundial.
Em termos relativos, a situação pode até ser vista com algum otimismo. Na América Latina, o Brasil produz 40% da ciência de qualidade. Em setores como ciências agrárias, a participação sobe para 3% da produção internacional.
Em resumo, ainda há muito chão para andar, se o país um dia quiser ocupar posição compatível com o tamanho de sua população e de sua economia. Claro está, porém, que competição não é a razão principal para tal esforço. A ciência básica de qualidade, assim como os subprodutos tecnologia e inovação, é universalmente aceita como uma condição necessária para o desenvolvimento econômico (eu acrescentaria: e humano).
Ela deve representar um valor em si mesma, algo a ser priorizado e perseguido pela sociedade em qualquer circunstância, mesmo na adversidade. Um valor de caráter civilizacional, se quiserem.
Para que se estabilize nessa condição, a pesquisa precisa aparecer com maior destaque na agenda nacional, e não só na das corporações envolvidas (como as universidades e as agências de fomento). É preciso formar mais pensadores, pesquisadores e engenheiros, não só estimulando a oferta (de vagas), mas sobretudo despertando vocações científicas. Inclusive nas ciências humanas, de onde flui o pensamento crítico que tanta falta faz nesta era de cientificismo galopante.
Essa transformação de ordem cultural só se obtém com oportunidades para o desenvolvimento de talentos e com divulgação científica. Há muitos instrumentos para isso, de métodos específicos e criativos para educação matemático-científica aos museus de ciência, mas gostaria de chamar a atenção para um instrumento bem à mão, a internet.
Os cientistas brasileiros têm de sair do armário, quer dizer, do gabinete. Precisam mostrar tudo que já conseguiram fazer de nível internacional, mesmo nas condições adversas em que trabalham. O meio mais simples é a internet, que está na mesa de todos eles, de muitos jovens e, em breve, na maioria das escolas.
É evidente que um portal-vitrine da ciência brasileira necessitaria de um filtro editorial exigente, para impedir que se transforme em mero veículo de promoção. Alguém tem de responsabilizar-se por separar o joio do trigo, adotando critérios acadêmicos como publicação numa revista renomada, obtenção de verba em processo competitivo ou apresentação em reunião científica.
Seria no mínimo uma fonte mais confiável para trabalhos escolares, por exemplo. Melhor ainda se os estudantes pudessem ter acesso aos autores dos trabalhos, pois nada como o contato direto com profissionais para despertar vocações. E, de quebra, um portal desses seria uma mão na roda para repórteres de ciência, hoje constrangidos a buscar informação sobre pesquisas de brasileiros na "Nature" e na "Science".

E-mail: cienciaemdia@uol.com.br



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