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São Paulo, terça-feira, 18 de fevereiro de 2003

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AAAS

Cientistas apresentam em reunião nos EUA projeto para preservar as células de animais ameaçados e produzir clones

"Zôo congelado" é arma contra extinções

Denis Poroy/Associated Press-24.out.2002
Geneticista Oliver Ryder examina células de bovino banteng em laboratório no zôo de San Diego


SALVADOR NOGUEIRA
ENVIADO ESPECIAL A DENVER

É provavelmente o jardim zoológico mais chato que alguém já visitou, mas quem trabalha lá garante: foi a melhor coisa que já fizeram em matéria de preservação desde a lendária arca de Noé. Bem-vindo ao Frozen Zoo.
O projeto foi apresentado por Oliver Ryder, geneticista da Sociedade Zoológica de San Diego, durante a 169ª Reunião Anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), em Denver, Colorado (EUA).
Como o próprio nome sugere, o Frozen Zoo ("zoológico congelado", em inglês) é uma coletânea de amostras genéticas de bichos preservadas por criogenia -a técnica de congelamento que mantém essas células intactas mesmo depois de muito tempo em "dormência". É assim também que são preservados os embriões humanos criados pelas clínicas de fertilização in vitro.
A coleção de Ryder e seus colegas é a maior do mundo e conta com mais de 1.790 amostras, pertencentes a 335 espécies de animal. Entre os bichos preservados há várias espécies ameaçadas de extinção, como pandas, condores e bantengs -parentes asiáticos raros do gado comum que estão à beira do esquecimento, com menos de 10 mil exemplares remanescentes.
O projeto começou em 1976, época em que a idéia era exclusivamente a de preservar tanta informação sobre esses animais quanto possível. Ryder descreveu o caso da quagga, uma parente menor da zebra que um dia já dominou a África, mas sumiu da face da Terra antes que alguém pudesse estudá-la direito. Hoje, o pouco que se sabe do animal vem da análise de fragmentos de DNA obtidos a partir de peles que acabaram sendo (mal) preservadas.
Guardar amostras genéticas intactas, pensaram os cientistas, ajudaria o pesquisador do futuro que quisesse estudar as espécies que hoje trilham o mesmo caminho das quaggas -a aniquilação.
A evolução da biotecnologia fez crescer as ambições do Frozen Zoo. O grupo se aliou à companhia ACT (Advanced Cell Technology) para "ressuscitar" algumas de suas amostras -células de banteng (espécie Bos javanicus)- e fundi-las a óvulos de vaca, criando os primeiros clones do animal. A expectativa é que os nascimentos ocorram em março, e que os clones sejam colocados junto de seus colegas "naturais" no zôo de San Diego, Califórnia.

Novas tentativas
Outra tentativa de salvar uma espécie ameaçada via clonagem foi feita dois anos atrás, com um gauro (outro bovino selvagem), mas o animal morreu apenas dois dias após o nascimento. Os bantengs podem ter melhor sorte. E há projetos similares nos EUA e na China que trabalham com antílopes, gatos exóticos e pandas, usando clonagem para tentar recuperar essas espécies.
"Isso tudo não é ficção. É uma certeza científica", diz Christina Walters, do Centro Nacional de Preservação de Recursos Genéticos do Departamento de Agricultura dos EUA, referindo-se à capacidade de preservar células intactas nos chamados bancos de genes e usá-las posteriormente.
O que ainda é completa ficção, pelo menos para Ryder e seus colegas, é a tão badalada hipótese de trazer mamutes ou dinossauros de volta à vida -não há DNA suficientemente preservado (uma pesquisa recente deu sinais de que haja células vivas de mamute intactas, mas ainda carece de verificação). "Não existe essa fantasia de "Jurassic Park" ", diz Ryder.
Também é uma fantasia achar que a clonagem, por si, é a salvação de todas as espécies ameaçadas. Ao reproduzir uma espécie por esse método, os cientistas reduzem drasticamente a variabilidade genética que ajuda os bichos a se adaptarem ao ambiente.
Se um grupo de indivíduos tem a mesma composição genética, uma doença que afete um deles deverá afetar todos, devastando a população inteira. Por isso, o pessoal do Frozen Zoo tenta coletar amostras variadas de cada espécie, na tentativa de manter a diversidade. "Mas o melhor meio de salvar espécies inteiras, nós sabemos disso, é protegendo ecossistemas completos", diz Ryder.


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