São Paulo, quinta-feira, 18 de março de 2004

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GEOLOGIA

Fim de massa continental única teria tirado gás carbônico do ar e "desligado" efeito estufa há 750 milhões de anos

Quebra de continente gera superglaciação

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Pesquisadores franceses podem ter encontrado o culpado da pior era glacial que já atingiu o planeta, capaz de colocar até o Equador debaixo de camadas de gelo. Com a ajuda de simulações de computador, eles verificaram que o fim de um supercontinente que cobria parte da Terra há 750 milhões de anos pode ter sido suficiente para disparar a geladeira global.
A quebra de Rodínia (como é chamada essa gigantesca massa de terra primitiva) permitiu que o gás carbônico, responsável por aquecer o planeta no chamado efeito estufa, fosse sugado para rochas e para o fundo do oceano. Resultado: o termostato da Terra ficou tão desregulado que a temperatura média planetária teria despencado para 2C (hoje ela é ligeiramente superior a 15C).
"Nossos dados mostram que, por meio desse processo, é possível diminuir os níveis atmosféricos de CO2 de forma a causar uma glaciação total e global", disse à Folha o climatologista francês Gilles Ramstein, 34, do Laboratório de Ciências do Clima e do Ambiente em Gif sur Yvette. Ele é um dos autores do estudo que sai hoje na revista científica britânica "Nature" (www.nature.com).
Batizado de "Snowball Earth", ou "Terra Bola de Neve", em inglês, o evento catastrófico pode ter se estendido por quase 200 milhões de anos, com algumas interrupções, mas suas causas ainda são motivo de muita especulação.
"Pesquisadores como o [norte-americano] Paul Hoffman acreditavam que um supercontinente como Rodínia pudesse causar mudanças na própria forma da Terra", diz o geofísico Igor Gil Pacca, 74, pesquisador do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP.
Tal modificação poderia mudar a maneira como a luz solar incide na Terra. O próprio Sol não ajudava muito, já que então era 6% menos brilhante do que é hoje.
Segundo a simulação do programa Geoclim, usado por Ramstein e seus colegas, no entanto, o que complicou tudo mesmo foi a separação de Rodínia. A curto prazo, a impressão é de que a coisa até teria esquentado, graças ao aparecimento de vulcões e ao derrame de enormes quantidades de rocha derretida, como basalto. Tudo isso traria mais CO2 para a atmosfera, e portanto temperaturas maiores, já que o gás carbônico impede que o calor gerado pela radiação do Sol escape, tal qual um cobertor.
"Mas a escala de tempo para a "Snowball Earth" é diferente", explica Ramstein. No longo prazo, diz o pesquisador francês, os pedacinhos do antigo supercontinente ficam muito mais expostos ao oceano e à umidade que vem dele em forma de chuva.
Chuva significa erosão: pedaços das rochas que formam os novos continentes são carregadas para o mar, combinam-se quimicamente com o CO2, criando os chamados carbonatos, e lentamente vão arrancando o gás-estufa da atmosfera do planeta.
A concentração de gás carbônico, com tudo isso, teria caído para menos da metade do que era na época de Rodínia. A partir daí, a coisa teria virado uma bola de neve -sem trocadilhos. "A bola de neve é algo que vale nos dois sentidos, tanto em relação ao frio quanto à idéia de algo que passa a se realimentar", explica Igor Pacca. Uma vez iniciada a glaciação, teria entrado em ação o efeito de albedo, ou seja, a da capacidade da Terra de refletir a luz do Sol, explica ele. Um planeta já branqueado pela neve refletiria muita luz solar em vez de absorvê-la, esfriando ainda mais, gerando mais neve, que reflete mais luz -e assim por diante.
O quadro parece coerente o bastante para explicar o que aconteceu. Mesmo assim, Ramstein diz que pretende usar seu modelo para investigar por que o fim de Pangéia, o supercontinente que existia há 250 milhões de anos, não parece ter causado uma nova "Snowball Earth".


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