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GEOLOGIA
Fim de massa continental única teria tirado gás carbônico do ar e "desligado" efeito estufa há 750 milhões de anos
Quebra de continente gera superglaciação
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Pesquisadores franceses podem
ter encontrado o culpado da pior
era glacial que já atingiu o planeta,
capaz de colocar até o Equador
debaixo de camadas de gelo. Com
a ajuda de simulações de computador, eles verificaram que o fim
de um supercontinente que cobria parte da Terra há 750 milhões
de anos pode ter sido suficiente
para disparar a geladeira global.
A quebra de Rodínia (como é
chamada essa gigantesca massa
de terra primitiva) permitiu que o
gás carbônico, responsável por
aquecer o planeta no chamado
efeito estufa, fosse sugado para
rochas e para o fundo do oceano.
Resultado: o termostato da Terra
ficou tão desregulado que a temperatura média planetária teria
despencado para 2C (hoje ela é ligeiramente superior a 15C).
"Nossos dados mostram que,
por meio desse processo, é possível diminuir os níveis atmosféricos de CO2 de forma a causar uma
glaciação total e global", disse à
Folha o climatologista francês Gilles Ramstein, 34, do Laboratório
de Ciências do Clima e do Ambiente em Gif sur Yvette. Ele é um
dos autores do estudo que sai hoje
na revista científica britânica "Nature" (www.nature.com).
Batizado de "Snowball Earth",
ou "Terra Bola de Neve", em inglês, o evento catastrófico pode
ter se estendido por quase 200 milhões de anos, com algumas interrupções, mas suas causas ainda
são motivo de muita especulação.
"Pesquisadores como o [norte-americano] Paul Hoffman acreditavam que um supercontinente
como Rodínia pudesse causar
mudanças na própria forma da
Terra", diz o geofísico Igor Gil
Pacca, 74, pesquisador do Instituto de Astronomia, Geofísica e
Ciências Atmosféricas da USP.
Tal modificação poderia mudar
a maneira como a luz solar incide
na Terra. O próprio Sol não ajudava muito, já que então era 6%
menos brilhante do que é hoje.
Segundo a simulação do programa Geoclim, usado por Ramstein e seus colegas, no entanto, o
que complicou tudo mesmo foi a
separação de Rodínia. A curto
prazo, a impressão é de que a coisa até teria esquentado, graças ao
aparecimento de vulcões e ao derrame de enormes quantidades de
rocha derretida, como basalto.
Tudo isso traria mais CO2 para a
atmosfera, e portanto temperaturas maiores, já que o gás carbônico impede que o calor gerado pela
radiação do Sol escape, tal qual
um cobertor.
"Mas a escala de tempo para a
"Snowball Earth" é diferente", explica Ramstein. No longo prazo,
diz o pesquisador francês, os pedacinhos do antigo supercontinente ficam muito mais expostos
ao oceano e à umidade que vem
dele em forma de chuva.
Chuva significa erosão: pedaços
das rochas que formam os novos
continentes são carregadas para o
mar, combinam-se quimicamente com o CO2, criando os chamados carbonatos, e lentamente vão
arrancando o gás-estufa da atmosfera do planeta.
A concentração de gás carbônico, com tudo isso, teria caído para
menos da metade do que era na
época de Rodínia. A partir daí, a
coisa teria virado uma bola de neve -sem trocadilhos. "A bola de
neve é algo que vale nos dois sentidos, tanto em relação ao frio
quanto à idéia de algo que passa a
se realimentar", explica Igor Pacca. Uma vez iniciada a glaciação,
teria entrado em ação o efeito de
albedo, ou seja, a da capacidade
da Terra de refletir a luz do Sol,
explica ele. Um planeta já branqueado pela neve refletiria muita
luz solar em vez de absorvê-la, esfriando ainda mais, gerando mais
neve, que reflete mais luz -e assim por diante.
O quadro parece coerente o bastante para explicar o que aconteceu. Mesmo assim, Ramstein diz
que pretende usar seu modelo para investigar por que o fim de
Pangéia, o supercontinente que
existia há 250 milhões de anos,
não parece ter causado uma nova
"Snowball Earth".
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