São Paulo, terça-feira, 18 de maio de 2010

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Só livros ainda registram as serpentes do Butantan

Catálogo traz informações sobre espécimes desde 1901; animais se perderam

Instituto não confirma se arquivo digital da coleção também desapareceu no incêndio de sábado; anos de pesquisa estão sumindo


JAMES CIMINO
DA REPORTAGEM LOCAL

Embora quase todo o acervo de 85 mil exemplares de serpentes da coleção científica do Instituto Butantan tenha sido destruído pelo incêndio que aconteceu no último sábado, os livros-tombos, que contêm os registros de cada animal catalogado, estão intactos.
A informação foi dada pela bióloga Myriam Calleffo, responsável pela recepção dos animais que a população entregava para fins científicos ao instituto. "Esses livros estavam em outro prédio, por isso não se perderam. Não sei quantos são, mas eles contêm informações de cada bicho, desde o primeiro, que foi catalogado em 1901."
O livros-tombos têm dados sobre quem trouxe e quem recebeu o animal, local onde foi encontrado, nome científico e nome popular, data de coleta, entre outros detalhes. Segundo a bióloga, esses dados podem servir para um levantamento zoogeográfico (sobre a distribuição geográfica das espécies).
Sobre o arquivo digital, que teria informações de todo o acervo do Prédio das Coleções, há informações de que a digitalização foi feita em um computador que estava no interior do edifício e que, portanto, também se perdeu no fogo. Cópias de segurança também estariam no mesmo prédio, embora uma funcionária que não quis se identificar afirme que 50% desses backups estejam a salvo.
A direção do instituto não confirma esses relatos, mas enviou uma nota na tarde de ontem, por meio de sua assessoria de imprensa, informando que "assim que todo o material for retirado, será possível fazer uma análise precisa dos itens perdidos no acidente".
O diretor do Butantan, Otávio Mercadante, visitou o prédio na tarde de ontem, acompanhado de peritos, que coletaram material para a realização de laudo, mas não há prazo para emissão desse relatório.
A nota diz ainda que, nos próximos dias, engenheiros do Butantan, acompanhados de representantes da Defesa Civil, continuarão com o trabalho de retirada do acervo não danificado. A estrutura da edificação está comprometida e corre o risco de desabar.

Retratos biológicos
O acervo do Prédio das Coleções dificilmente será recuperado. Embora tenha sido retirada do local uma sucuri de 5,4 metros de comprimento, encontrada em Porto Primavera e trazida ao instituto em 2001, outras espécies, que compunham verdadeiros retratos biológicos do Brasil, perderam-se para sempre.
Segundo a pesquisadora em reprodução Silvia Cardoso, a perda científica é incalculável. "Havia lotes de animais que viviam na Amazônia ainda intacta, outros que foram retirados de áreas inundadas pelo lago [da usina] de Itaipu e espécies muito difíceis de serem encontradas na natureza."
A veterinária e doutoranda Cristina Espanha de Albuquerque afirma ter visto, em meio aos destroços, uma dessas espécies raras. "São três exemplares de uma [serpente] Corallus cropanii. Há pelo menos quatro anos que não se encontra essa espécie, e só há quatro amostras no mundo. A outra foi doada a uma instituição estrangeira. Vi os vidros com elas, mas não deu para tirar, já que está numa área em que o teto parece estar apoiado nas estantes."
Albuquerque é uma das pesquisadoras que talvez tenha perdido, com o incêndio, os dois anos e quatro meses da tese que elaborava sobre a dentição de 11 espécies de cobras. "Talvez eu possa utilizar outras amostras ou, dependendo da perícia, tenha até de mudar o tema da minha tese."
Apesar do panorama desolador, tinha quem comemorasse. Quando, por volta das 15h, os bombeiros liberaram a entrada em parte do prédio, alunos e estagiários gritavam de alegria por ter encontrado seus materiais de trabalho. Outros beijavam os vidros, como a funcionária do laboratório Matilde Costa, ao achar um diplópode (piolho-de-cobra) vivo.


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