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Só livros ainda registram as serpentes do Butantan
Catálogo traz informações sobre espécimes desde 1901; animais se perderam
Instituto não confirma se
arquivo digital da coleção
também desapareceu no
incêndio de sábado; anos
de pesquisa estão sumindo
JAMES CIMINO
DA REPORTAGEM LOCAL
Embora quase todo o acervo
de 85 mil exemplares de serpentes da coleção científica do
Instituto Butantan tenha sido
destruído pelo incêndio que
aconteceu no último sábado, os
livros-tombos, que contêm os
registros de cada animal catalogado, estão intactos.
A informação foi dada pela
bióloga Myriam Calleffo, responsável pela recepção dos animais que a população entregava para fins científicos ao instituto. "Esses livros estavam em
outro prédio, por isso não se
perderam. Não sei quantos são,
mas eles contêm informações
de cada bicho, desde o primeiro, que foi catalogado em 1901."
O livros-tombos têm dados
sobre quem trouxe e quem recebeu o animal, local onde foi
encontrado, nome científico e
nome popular, data de coleta,
entre outros detalhes. Segundo
a bióloga, esses dados podem
servir para um levantamento
zoogeográfico (sobre a distribuição geográfica das espécies).
Sobre o arquivo digital, que
teria informações de todo o
acervo do Prédio das Coleções,
há informações de que a digitalização foi feita em um computador que estava no interior do
edifício e que, portanto, também se perdeu no fogo. Cópias
de segurança também estariam
no mesmo prédio, embora uma
funcionária que não quis se
identificar afirme que 50% desses backups estejam a salvo.
A direção do instituto não
confirma esses relatos, mas enviou uma nota na tarde de ontem, por meio de sua assessoria
de imprensa, informando que
"assim que todo o material for
retirado, será possível fazer
uma análise precisa dos itens
perdidos no acidente".
O diretor do Butantan, Otávio Mercadante, visitou o prédio na tarde de ontem, acompanhado de peritos, que coletaram material para a realização
de laudo, mas não há prazo para
emissão desse relatório.
A nota diz ainda que, nos próximos dias, engenheiros do Butantan, acompanhados de representantes da Defesa Civil,
continuarão com o trabalho de
retirada do acervo não danificado. A estrutura da edificação
está comprometida e corre o
risco de desabar.
Retratos biológicos
O acervo do Prédio das Coleções dificilmente será recuperado. Embora tenha sido retirada do local uma sucuri de 5,4
metros de comprimento, encontrada em Porto Primavera e
trazida ao instituto em 2001,
outras espécies, que compunham verdadeiros retratos biológicos do Brasil, perderam-se
para sempre.
Segundo a pesquisadora em
reprodução Silvia Cardoso, a
perda científica é incalculável.
"Havia lotes de animais que viviam na Amazônia ainda intacta, outros que foram retirados
de áreas inundadas pelo lago
[da usina] de Itaipu e espécies
muito difíceis de serem encontradas na natureza."
A veterinária e doutoranda
Cristina Espanha de Albuquerque afirma ter visto, em meio
aos destroços, uma dessas espécies raras. "São três exemplares de uma [serpente] Corallus
cropanii. Há pelo menos quatro
anos que não se encontra essa
espécie, e só há quatro amostras no mundo. A outra foi doada a uma instituição estrangeira. Vi os vidros com elas, mas
não deu para tirar, já que está
numa área em que o teto parece estar apoiado nas estantes."
Albuquerque é uma das pesquisadoras que talvez tenha
perdido, com o incêndio, os
dois anos e quatro meses da tese que elaborava sobre a dentição de 11 espécies de cobras.
"Talvez eu possa utilizar outras
amostras ou, dependendo da
perícia, tenha até de mudar o
tema da minha tese."
Apesar do panorama desolador, tinha quem comemorasse.
Quando, por volta das 15h, os
bombeiros liberaram a entrada
em parte do prédio, alunos e
estagiários gritavam de alegria
por ter encontrado seus materiais de trabalho. Outros beijavam os vidros, como a funcionária do laboratório Matilde
Costa, ao achar um diplópode
(piolho-de-cobra) vivo.
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