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Micro/Macro
As inconstantes constantes da natureza
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
A descrição dos fenômenos naturais,
ao menos daqueles que fazem parte
da física, depende de um punhado de
números, chamados constantes fundamentais da natureza. Por exemplo, a força gravitacional, que descreve a atração
entre corpos maciços como o Sol e a Terra ou o leitor e a Terra, depende da constante de Newton, cujo valor determina o
teor (bastante fraco) da força gravitacional. Já a atração entre um elétron e um
próton no núcleo atômico depende de
uma outra constante, a carga elétrica do
elétron. Cada uma das quatro forças fundamentais da natureza -gravitacional,
eletromagnética, e as forças nucleares
forte e fraca- tem a sua constante.
Essas constantes, e outras extremamente importantes, como a velocidade
da luz no vácuo ou a constante de Planck
-que determina as trocas de energia em
processos atômicos-, são, como já diz o
nome, supostamente constantes: seus
valores independem do tempo e do espaço, sendo os mesmos em qualquer lugar
do Universo ou em qualquer momento.
Ao menos esse é o arcabouço tradicional da física. Na verdade, a situação é um
pouco mais sutil. As constantes que
mencionei acima têm unidades físicas,
que, em geral, dependem de medidas de
distância, tempo e massa. (Para quem
lembra, temos sempre de especificar se
trabalhamos, por exemplo, no sistema
MKS -metro, quilograma, segundo; ou
CGS- centímetro, grama, segundo.)
Sem querer complicar muito as coisas
(mas complicando um pouco), existem
dois tipos de constantes fundamentais:
as discutidas acima, que têm unidades físicas (como a velocidade da luz, de aproximadamente 300 mil km/ s), e as constantes construídas de modo a não ter
unidades físicas, obtidas dividindo e
multiplicando constantes com unidades.
A mais famosa dessas constantes é a
"constante de estrutura fina", obtida a
partir de uma combinação da carga do
elétron, da velocidade da luz, e da constante de Planck. O valor é, hoje, 1/137.
Existem duas grandes questões sobre
essas constantes da natureza. A primeira,
claro, é se é possível entendermos a origem de seus valores. Ou seja, por que a
velocidade da luz ou a carga do elétron
têm o valor que têm? Em princípio, gostaríamos de poder calcular esses valores
a partir de uma teoria mais fundamental,
em vez de simplesmente usarmos os valores medidos no laboratório. Caso isso
venha a ser possível, estaremos obtendo
uma visão muito mais profunda da natureza, o sonho de qualquer cientista.
A outra grande questão concerne à
constância dessas constantes. Será que
elas são mesmo constantes no espaço e
no tempo? Por exemplo, será que a carga
do elétron ou a velocidade da luz podem
ser diferentes em outras partes ou épocas
do Universo? Afinal, só sabemos aquilo
que medimos, e o que pode parecer
constante aqui e agora pode não ser em
outros lugares ou eras. Essa possibilidade é bem interessante para os físicos teóricos. Isso porque uma variação temporal em algumas das constantes representa uma janela para uma nova física, muito possivelmente ligada com a resposta à
primeira grande questão, a origem dos
valores dessas constantes. E física, como
qualquer outra ciência, é essencialmente
sobre abrir novas janelas para o mundo.
Existem inúmeras teorias que prevêem
variações temporais das constantes fundamentais (variações espaciais são, em
geral, vetadas). Entre elas, existem teorias de unificação das forças, que visam
descrever as quatro forças da natureza
mencionadas acima como oriundas de
uma força só. As mais promissoras são
teorias que supõem que o espaço tem
mais de três dimensões (altura, largura,
profundidade). Recentemente, astrônomos mediram uma pequena variação
temporal na velocidade da luz: o comportamento de átomos durante a infância do Universo, há aproximadamente 10
bilhões de anos, parece indicar que era
menor no passado. Caso essa observação
seja confirmada, o que deve ser feito com
muito cuidado, abre-se uma janela para
uma nova física. Talvez apontando para
um cosmo com mais de três dimensões,
talvez não. O novo nem sempre é previsível. Mas é sempre fascinante.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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