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Ciência em dia
C&T de Lula começa mal
Marcelo Leite
editor de Ciência
A cena do ministro de robe, no quarto
de hospital, só não pareceu mais
constrangedora que a dos garçons com
paletós brancos e gravatas-borboleta em
meio à canícula nordestina, servindo
água gelada para a turma de Brasília. No
segundo caso, faltou ao organizador da
viagem do presidente Lula o bom senso
para concluir que, ao menos entre pobres do Piauí, o primeiro escalão poderia
servir-se de água com as próprias mãos.
No primeiro, foi o próprio responsável
pela pasta de Ciência e Tecnologia
(C&T) que forçou a multiplicação das
entrevistas de esclarecimento ainda antes de receber alta, para tentar controlar a
crise política internacional que deflagrara pouco antes com declarações imponderadas sobre tecnologia nuclear.
O episódio seria apenas bom candidato para os anais do folclore político brasileiro, na rubrica da inexperiência ministerial, não fosse um sintoma eloquente
da desimportância que o tema vinha adquirindo na administração do PT. Já de
cara, põe a descoberto para quem quiser
ver a escassa familiaridade do escolhido
para a vaga com os temas de sua área.
Escolhido? Nem tanto. Tão cioso das
pastas de óbvia relevância econômica e
social, o presidente Lula -ao delegar
para um sócio menor da coligação que o
elegeu a indicação do ministro de
C&T- parece indicar que não atribui
ao setor nem uma coisa nem outra. Corrobora, com a atitude, a suspeita de que
leva ao Planalto, além das boas intenções
ungidas por mais de 50 milhões de votos,
um projeto defasado de desenvolvimento social -se é que leva de fato algum
projeto articulado, merecedor do nome.
Fala-se tanto em economia do conhecimento, na inovação como chave do
crescimento sustentado, na tecnologia
como principal força produtiva do capitalismo avançado... Na hora inaugural de
um governo que se pretende transformador, porém, o que se vê é um senhor
em trajes domésticos enrolado com explicações do alcance de suas palavras de
manifesta inspiração nacionalista.
Em tempo: o ministro tem todo direito
a uma opinião política pessoal sobre
bombas atômicas e sobre o Tratado de
Não-Proliferação, ou sobre alimentos
transgênicos e clonagem, mas precisa levar em conta, antes de emiti-la, que será
vista também em sentido programático,
como possível orientação de governo.
Mais oportuno seria o titular de C&T
ter provocado as inúmeras entrevistas
para esclarecer o que pensa dos temas e
idéias debatidos no grupo da equipe de
transição que se dedicou ao assunto. Por
exemplo, se também considera necessário alterar o arcabouço institucional
montado pela administração de Fernando Henrique Cardoso para gerir as verbas carreadas para os vários fundos setoriais, a principal inovação de Ronaldo
Sardenberg à frente do MCT. Ou ainda, o
que pretende fazer para contrapor-se ao
continuísmo financeiro-economicista,
que já trabalha com o contingenciamento (bloqueio) neste ano de quase 50%
dos recursos dos fundos setoriais - paradoxalmente, criados para garantir fluxo contínuo de sustentação à pesquisa.
O leitor terá notado que o nome do novo ministro de C&T foi omitido ao longo
de todo o texto. As razões são duas. Primeiro, evidenciar que as observações
não são de caráter pessoal, mas institucional. Depois, para propor um teste:
pergunte a seus amigos e parentes quem
sabe o nome e o partido do novo ministro da Ciência e Tecnologia -e reze para
que a ignorância patenteada não se torne
a marca do governo Lula no campo da
ciência e da tecnologia.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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