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São Paulo, quarta-feira, 19 de março de 2003

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ASTRONOMIA

Pesquisa de brasileiro na França mostra que alguns astros gigantes viram buracos negros sem sofrer explosão

Estrela também pode morrer em silêncio

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

As maiores estrelas do Universo, quando crescem até se tornarem supergigantes vermelhas, alcançando assim o fim de sua existência, podem simplesmente sumir -sem escândalos nem explosões gigantescas e violentas. Em outras palavras, contrariariam a visão costumeira de que só uma supernova seria um fim digno de supergigantes vermelhas.
A hipótese de que esses astros volumosos terminem não com um urro mas com um suspiro é recente e ainda carece de confirmações. Mas um novo estudo, de um grupo de astrofísicos da Comissão de Energia Atômica da França, começa a dar substância à idéia. Ele traz medições de um buraco negro que parece ter tido uma dessas despedidas discretas.
O objeto estudado é Cygnus X-1, um sistema binário composto por um buraco negro e uma estrela maciça com quase 18 vezes a massa do Sol. A dupla é jovem, com 5 milhões de anos (o Sol, em comparação, tem uns 5 bilhões).

Astros temperamentais
A vida de uma estrela não é tão diferente da carreira de um astro hollywoodiano. Estrelas pequenas e modestas, como o Sol, quando esgotam seu combustível, dão tudo de si até atingir um sucesso momentâneo, tornando-se exuberantes gigantes vermelhas. Mas no fim acabam encolhendo e resfriando.
Estrelas maiores, com massa entre 8 e 15 vezes a do Sol, já começam azuis e brilhantes. Ao acabar o gás, na tentativa de sobreviver à inevitável decadência, são protagonistas de um escândalo: provocam a explosão de suas camadas exteriores e tumultuam toda a região. Por fim, acabam se compactando e virando grandes fontes de radiação -as chamadas estrelas de nêutrons.
Objetos ainda maiores, com até 40 vezes a massa do Sol, têm trajetória similar. Depois da explosão, contudo, sua imagem não resiste ao choque -elas se encolhem até desaparecer de vista, tornando-se buracos negros, objetos tão densos que a força gravitacional não deixa nem a luz escapar.
Finalmente, os astros realmente grandiosos, com mais de 40 massas solares, evitam escândalos. Passam direto de gigantes vermelhas a buracos negros, sem a explosão da supernova. Abandonam a carreira no auge do sucesso, enquanto estão por cima. Ou, pelo menos, é o que diz a teoria.
"Muita coisa sobre as teorias de supernovas estão sendo reformuladas nos últimos anos", diz Marcos Diaz, astrofísico do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP.
O buraco negro de Cygnus X-1 não seria exatamente uma dessas estrelas 100% discretas. Hoje com pouco mais que dez massas solares, o objeto, quando chegou ao final de sua vida, sofreu uma explosão muito sutil -uma "minissupernova", por assim dizer.
"Isso mostra que a intensidade da explosão, a partir de um certo valor de massa, começa a decrescer", diz Irapuan Rodrigues, pesquisador brasileiro que é o primeiro autor do estudo.
Ele e seus colegas trabalham quase como investigadores policiais. Depois de determinar quem é o suspeito, estudam sua vida pregressa: a partir de seu curso atual, descobrem de onde ele partiu e quando. Desse modo, podem dizer quando um objeto se tornou supernova e onde isso ocorreu (a explosão dá um "chute" na estrela e a põe numa nova rota).
A análise mais recente, de Cygnus X-1, já foi concluída e submetida à revista "Science" ( www.sciencemag.org). O estudo está sob revisão, mas, se depender de Diaz, tem tudo para emplacar. "O trabalho deles é bem consistente."


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