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São Paulo, sábado, 19 de julho de 2003

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ASTRONOMIA

Aparelho de observação poderá ser capaz de estudar episódios cósmicos violentos, como colisões de galáxias

Telescópio no pólo Sul enxerga neutrinos

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Steve Barwick, da Universidade da Califórnia em Irvine, EUA, vende seu instrumento como a coisa mais revolucionária em observação astronômica desde a luneta de Galileu. Sua equipe, composta por pesquisadores de vários países, começou a apresentar os resultados do primeiro telescópio de neutrinos do mundo, instalado na Antártida. E a boa notícia é que o negócio funciona.
"Desde que Galileu construiu seu primeiro telescópio, há 400 anos, todos os sistemas envolvem a observação de alguma frequência do espectro eletromagnético -luz, rádio, infravermelho e assim por diante", diz. "Nesse sentido, o nosso aparelho é o primeiro de um novo tipo, que observa neutrinos. E mostramos que funciona, como anunciávamos."
Neutrinos são partículas extremamente sutis. Eles têm carga elétrica neutra, como os nêutrons, mas são tão pequenos quanto um elétron, o que torna sua detecção particularmente complicada. Em compensação, por conta da baixa interatividade com outras partículas, os neutrinos emitidos por determinados fenômenos têm boa chance de chegar incólumes à Terra e fornecer informações preciosas sobre esses episódios.
"Esses eventos violentos, explosivos e energéticos, como a colisão de galáxias, o surgimento de buracos negros, a formação de disparos de raios gama, todas essas coisas emitem uma porção de neutrinos", diz Barwick. "Apesar disso, os eventos normalmente estão cobertos por poeira e sujeira -a proverbial fuligem da chaminé-, de modo que não conseguimos ver a luz vinda deles. Já os neutrinos conseguem escapar."
Encravado no gelo do pólo Sul, o telescópio (chamado Amanda, Conjunto Detector Antártico de Neutrinos e Múons, na sigla em inglês) tem por objetivo examinar o céu do hemisfério Norte, captando as únicas partículas que conseguem atravessar o planeta inteiro e emergir do outro lado -os neutrinos. Todas as outras partículas, como fótons, prótons e nêutrons, acabam retidas.
O sistema é composto por 677 módulos ópticos, cada um do tamanho de uma bola de boliche, fixados em 19 cabos enterrados no gelo antártico. A detecção dos neutrinos é feita a partir da interação do gelo com um múon (tipo de elétron 207 vezes mais pesado que o normal), gerado justamente pela chegada de um neutrino, vindo da mesma direção.
Analisando a direção do múon detectado, eles podem calcular de onde veio o neutrino e realizar um mapeamento das fontes observadas no céu. O aparelho já está coletando informações desde 1997, e recentemente os cientistas produziram o primeiro mapeamento do céu do hemisfério Norte, com base em dados coletados em 2000.
Apesar disso, Barwich diz que nenhum dos neutrinos rastreados vem do espaço cósmico: todos eles vieram do Sol ou da própria atmosfera da Terra. Embora decepcione alguns astrônomos, a não-detecção é uma descoberta em si. "Serve para dizer a alguns cientistas que seus modelos para a emissão de neutrinos por certos objetos estão errados -lamento, mas os neutrinos não estão lá."
Num ponto futuro, no entanto, os neutrinos vindos de longe também estarão ao alcance da tecnologia. Barwick conta que já recebeu a aprovação da Fundação Nacional de Ciência dos EUA para montar um telescópio dez vezes mais potente na Antártida, o Icecube, que pode já ser capaz de fazer astronomia de neutrinos. "Estamos com os dedos cruzados."


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