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PALEONTOLOGIA
Roubo de fósseis e falta de verba assolam parque em Itaboraí (RJ) que guarda registros de 60 milhões de anos
"Berço dos mamíferos" sofre com abandono
MARIO HUGO MONKEN
DA SUCURSAL DO RIO
O homem esteve lá há mais de
8.000 anos, e o poder público não
aparece também há um bom tempo. Considerado por cientistas o
"berço dos mamíferos" por abrigar fósseis de animais primitivos
que viveram entre 60 milhões e 2
milhões de anos atrás, o Parque
Paleontológico São José de Itaboraí, em Itaboraí (cidade a 45 km
do Rio) está abandonado.
Sem vigilância, fiscalização ou
infra-estrutura, o parque -criado pela Prefeitura de Itaboraí em
1995 em uma área de 1,3 quilômetro quadrado- vem sendo invadido e sofrendo com o roubo de
fósseis de grande importância
histórica e científica.
Logo na entrada, há um pequeno museu que pode ser considerado o retrato do abandono. As
janelas do prédio estão quebradas, facilitando o roubo.
"Em quase dez anos de parque,
nada ou muito pouco foi feito.
Não conseguimos sensibilizar os
órgãos de fomento sobre a riqueza do lugar", disse Maria Antonieta Rodrigues, geóloga da Faperj
(Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado do Rio de Janeiro) e
uma das defensoras do local .
Nessa região foram encontrados fósseis de mamíferos como a
preguiça gigante, de marsupiais,
parentes muito antigos dos cangurus e gambás, além de ancestrais dos tatus e tamanduás. Também são achados restos de répteis,
moluscos e aves primitivas, animais que viveram nos períodos
Paleoceno (há 60 milhões de
anos) -fase que se seguiu à extinção dos dinossauros- e Pleistoceno (2 milhões de anos).
Segundo a paleontóloga Lílian
Paglarelli Bergqvist, da UFRJ
(Universidade Federal do Rio de
Janeiro), foram encontradas em
Itaboraí pelo menos 60 espécies
diferentes de animais extintos -
a primeira delas em 1926.
"O parque foi o primeiro registro brasileiro da existência de mamíferos após o fim dos dinossauros", declarou Bergqvist, autora
de artigos científicos sobre o local.
O material tem sido objeto de
estudos de pesquisadores de universidades brasileiras e de várias
partes do mundo.
Segundo Rodrigues, a importância do parque o incluiu na cronologia sul-americana das eras
geológicas. São José de Itaboraí
nomeia um andar (subperíodo,
no jargão geológico) chamado
Itaboraiense, do período Paleoceno. Ela disse que a riqueza da região se assemelha à da Patagônia,
na Argentina.
"É a única reserva no Brasil que
apresenta essas características",
disse Benedito Humberto Rodrigues, presidente da Confederação
Brasileira de Arqueologia e um
dos principais estudiosos da região. A maioria dos fósseis achados no parque está hoje no Museu
Nacional, na Quinta da Boa Vista
(zona norte do Rio), mas muitos
outros, segundo Benedito Rodrigues, permanecem escondidos no
sítio paleontológico.
Pré-história no Maracanã
A área onde está localizado o
parque foi, durante 50 anos (1933-1983), propriedade da empresa
Cimento Mauá, que explorava o
calcário da região e teve participação importante em grandes obras
realizadas no Rio, como o estádio
do Maracanã e o aeroporto internacional, na Ilha do Governador
(zona norte).
Para realizar a atividade, a mineradora abriu uma cratera de
cerca de cem metros no local. A
escavação atingiu o lençol freático
e formou uma lagoa artificial (leia
texto na próxima página).
Doze anos depois do fim da exploração do calcário na região, a
prefeitura de Itaboraí desapropriou a área e criou o parque.
Outra relíquia, segundo Maria
Antonieta, são rochas resultantes
de erupções vulcânicas- chamadas de ancaramitos. Somente em
outros dois pontos do Estado
existe material desse tipo.
Invasões
Sem uma vigilância permanente, a área compreendida pelo parque foi invadida por cerca de 50
famílias, que vivem nas antigas
instalações da Mauá.
Como não há saneamento básico, esgoto e lixo são jogados no
parque. Garrafas, plásticos, latas
de cerveja e restos de comida são
espalhados por toda a área. "Em
breve, o parque se transformará
em um grande favelão", declarou
Benedito Rodrigues.
Como não há fiscalização, os
fósseis são retirados do local indiscriminadamente. A Folha flagrou o aposentado Adílson Bernardes de Sá, 65, com uma bolsa
cheia de fósseis de caramujos petrificados que havia acabado de
recolher. Ele disse que entregaria
o material a cientistas. Os pesquisadores que se aventuram pelo local, no entanto, têm pouco apoio.
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