São Paulo, terça-feira, 19 de outubro de 2004

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AMBIENTE

Análise conduzida por biólogos da Conservação Internacional sugere que metade dos animais está desprotegida

Rede falha em proteger espécie ameaçada

CRISTINA AMORIM
FREE-LANCE PARA A FOLHA

As unidades de conservação que cobrem atualmente a mata atlântica e o cerrado são insuficientes para proteger a biodiversidade desses dois biomas, os mais ameaçados do Brasil. A constatação foi feita por dois biólogos ligados à ONG Conservação Internacional, que apresentam seus trabalhos hoje e amanhã no 4º Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, que acontece em Curitiba (PR). "Criar unidades de conservação sem saber a distribuição das espécies ameaçadas pode ser um esforço inútil, já que alguns animais ficam sem proteção", diz Adriano Paglia.
Ele comparou um mapa de 194 áreas protegidas pelos governos federal e estaduais na mata atlântica com a distribuição geográfica de 104 espécies ameaçadas de extinção, retiradas da "Lista Vermelha" da União Internacional para a Conservação da Natureza.
Ao sobrepor os dados, Paglia descobriu que 54% desses animais não vivem em nenhuma unidade de conservação, enquanto 33% estão parcialmente protegidos. Apenas 13% das espécies estão em terras protegidas, resguardadas -ao menos em teoria- de caça e perda do habitat.
A ferramenta já havia sido usada pela ONG para analisar as lacunas existentes na rede mundial de conservação de biodiversidade. A pesquisa, publicada na revista científica "Nature" (www.nature.com) em abril deste ano, mostrou que mais de 300 espécies fortemente ameaçadas de extinção estão fora das áreas protegidas.
A intenção agora era testar a ferramenta na realidade brasileira. Com ela, os ambientalistas esperam propor metas de conservação para cada espécie, de acordo com a distribuição geográfica do animal. Um exemplo é o mico-leão-caissara (Leontopithecus caissara), encontrado numa área de aproximadamente 310 km2 no litoral do Paraná -segundo Paglia, todo o espaço deve ser convertido em unidade de conservação. O papagaio-chauá (Amazona rhodocoryth), ao contrário, pode ser observado em 200 mil km2 na mata atlântica, então ele propõe que 13,8% dessa região esteja sob proteção.

Bioma ameaçado
No cerrado, as unidades de conservação cobrem hoje 2,5% da área original, mas apenas 29% das espécies endêmicas estão protegidas. Enquanto 51% são consideradas parcialmente protegidas, pelo menos 20% estão fora do abrigo oficial.
"Considerando a pequena área de proteção do cerrado, é um resultado surpreendente que 30% estejam em área de conservação", afirma Ricardo Machado, diretor do programa do cerrado da Conservação Internacional. De acordo com ele, os dados precisam ser conferidos com pesquisas em campo para validar a ferramenta.
Porém, ele lembra que a taxa de destruição do cerrado, uma das mais elevadas do Brasil, pode levar à extinção das espécies antes que o sistema seja aplicado em políticas públicas. "Esperamos que o governo use essas ferramentas para adquirir mais conhecimento sobre as espécies e como devem ser conservadas."
Para a diretora de ecossistemas do Ibama, Cecilia Barros, o sistema deve ser incorporado às metodologias usadas hoje pelo órgão para formar novas unidades de conservação. "A lacuna existe", admite a diretora. "Esse tipo de dado ajudará a propor novas políticas de formação de áreas protegidas, inclusive com os Estados e as propriedades particulares."


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