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Periscópio
Linguagem dos neandertais
José Reis
especial para a Folha
Os fósseis dos hominídeos que viviam há 500 mil anos já associavam
às características do Homo erectus algumas feições especiais que iriam implantar a morfologia de uma nova espécie, o
Homo sapiens. Muitos especialistas chamam essas formas de transição do Pleistoceno Médio (700 mil a 125 mil anos
passados) de H. sapiens arcaico.
Esse Homo arcaico teria originado na
África, e talvez no Oriente Médio e no
Extremo Oriente, o homem moderno,
ou Homo sapiens sapiens, cujos fósseis
mais antigos datam de 100 mil anos, ou,
segundo alguns, 200 mil anos.
As formas de transição que chegaram à
Europa, provavelmente vindas da África
por meio do Oriente Médio, teriam originado ali, segundo a maioria dos autores, um grupo diferente, o Homo sapiens
neanderthalensis, cujos ossos foram pela primeira vez identificados em 1856 na
Alemanha (vale do Neander). Esse grupo durou até 35 mil anos atrás.
A sua descoberta provocou muitos estudos e especulações. Entre estas, uma
das mais debatidas é a de saber se aquela
forma era dotada de linguagem oral
fluente. Se o fosse, poderia facilmente
comunicar-se e cruzar-se com seus contemporâneos Cro-Magnons, nossos antepassados providos dessa capacidade.
Mas essa questão da fala dos neandertais
não se resolveu até hoje e ganhou intensidade na década de 70, quando Philip
Lieberman, da Brown University, e Edmund Crelin, da Yale, defenderam a noção de que a língua e a laringe dos neandertais não apresentavam disposição favorável à linguagem moderna complexa.
Os neandertais, e em particular sua potencialidade de falar, foram objeto de
aceso debate em 1932 na reunião anual
da American Association for the Advancement of Science, onde David Frayer,
da Universidade de Kansas, apresentou
levantamento minucioso dos dados sobre aqueles fósseis, como a então recente
descoberta de osso hióide (que fica acima da laringe) igual ao do homem moderno. Essa peça nunca havia sido encontrada nos fósseis daquela época.
Apresentou também uma reconstrução
do crânio do homem da Chapelle-aux-Saints, no Sul da França. Essa reconstrução serviria de prova de que os neandertais falavam. Em face disso e de outros
documentos, Frayer concluiu que os
neandertais tinham o dom da palavra.
Os principais opositores de Frayer são
Jeffrey Laitman, da Mt. Sinai School of
Medicine, e Liberman e Crelin, que descobriram que se pode usar a forma da
base do crânio para predizer a estrutura
do trato vocal. Uma base craniana chata
estaria associada à combinação de laringe alta e forma da língua que impediria a
fala moderna. Um dos fósseis mais importantes desse grupo é o da Chapelle-aux-Saints, que nos estudos de Laitman
seria incapaz de pronunciar certas vogais sem cuja participação a fala fluente
seria impossível. Esse fóssil, observou
Laitman, tinha a base do crânio chato.
Um dos trunfos de Fryer é a reconstrução desse crânio feita com a colaboração
de Jean-Louis Heim, do Museu de História Natural de Paris, porque ela revela
que a base do crânio era inclinada e não
chata, pondo o neandertal estudado entre os "fósseis falantes". Os estudos de
Laitman foram feitos em crânios fósseis
e atuais. Além de sua posição favorável à
fala dos neandertais, Frayer sustenta que
eles foram ancestrais do homem moderno. Para Heim, os neandertais constituem espécie distinta.
Laitman, Lieberman e Crelin contestam a validade da reconstrução craniana
de Heim e acham que a descoberta do
osso hióide não tem maior significação,
ao menos por enquanto. Pelo que se vê,
o debate em torno da fala dos neandertais está longe de encerrado.
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