São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 2000


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BIOLOGIA
Desativação de trechos do material genético pode ser comum entre as espécies
"Desligar" gene beneficia seres vivos

ISABEL GERHARDT
da Reportagem Local

Um mecanismo que desativa os genes e ainda é pouco compreendido pela ciência ganhou três novos estudos que procuram explicar seu funcionamento. O processo, conhecido como silenciamento de genes, é importante, por exemplo, para a criação de plantas geneticamente modificadas.
O silenciamento de genes foi observado pela primeira vez em petúnias transformadas com um gene para aumentar a pigmentação das pétalas. Em vez de petúnias mais coloridas, os pesquisadores obtiveram flores brancas.
Ou seja, a introdução de muitas cópias de um mesmo gene, em vez de resultar numa maior expressão (ativação) daquele gene, teve o efeito contrário. É o caso em que um mais um não é dois. Algumas vezes, pode ser até zero.
Diferentes organismos apresentam formas diversas de silenciamento. O que os cientistas descobriram agora é que existe uma mesma proteína que está presente em várias dessas espécies e que controla o processo.
Isso significa que os seres vivos possuem um mecanismo ancestral comum que evoluiu para a proteção do genoma (coleção de genes de uma espécie) contra a invasão de um DNA estranho.

Interferência do RNA
O DNA é o material que forma os genes e que contém a informação necessária para o funcionamento e reprodução dos organismos. Já o RNA é a molécula que faz o papel de mensageiro, levando as receitas presentes nos genes do núcleo até outras partes da célula (veja quadro ao lado).
Em um processo chamado de interferência do RNA ou RNAi, moléculas de RNA silenciam a expressão dos genes depois que eles são copiados na forma de RNA. Isso acontece porque pequenos trechos de RNA com sequência invertida são produzidos e se ligam à sequência do RNA similar transcrito. É como um molde de escultura "tampado" por um contramolde, que não serve mais para produzir cópias.
Existe uma proteína que reconhece esse RNA com molde e contramolde e o degrada, não permitindo, portanto, que o gene seja traduzido em proteína.
A razão de certos RNAs terem a sua sequência transcrita de forma invertida é a existência de uma proteína chamada de RNA polimerase RNA-dependente. O que essa proteína faz é justamente produzir pequenos trechos invertidos de RNA que vão produzir os RNAs molde-contramolde (ou de fita dupla, no jargão genético).
Mas por que essa RNA polimerase não faz isso com todas as moléculas de RNA da célula?
Segundo Eduardo Romano, do Cenargen (Centro Nacional de Pesquisa em Recursos Genéticos e Biotecnologia), da Embrapa, parece haver um nível máximo de um mesmo RNA que a célula pode suportar.
Quando a quantidade de RNA ultrapassa esse limite, a RNA polimerase RNA-dependente sintetiza trechos de RNA invertidos.

Inseto, fungo, verme
O que os três estudos publicados na revista "Nature" revelam é que essa proteína, com pequenas variações, existe em organismos tão diversos quanto um fungo, um inseto e um verme de solo, que parecem controlar da mesma forma os mecanismos de interferência do RNA.
"Em plantas, o silenciamento de genes parece ser um mecanismo de defesa contra o ataque de vírus, que se utilizam do maquinário da célula vegetal para produzir suas próprias proteínas. Além disso, evitar a superexpressão de um gene contribui para que outros não tenham a sua expressão prejudicada pela falta de proteínas de transcrição", explicou Romano.
Ele e sua equipe estudam o fenômeno do silenciamento de genes em plantas de feijão resistentes a vírus. "Vamos estudar qual o papel da RNA polimerase RNA-dependente em plantas", acrescentou.
O silenciamento revela que a manipulação dos genes requer muito mais do que apenas o conhecimento de suas sequências.



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