São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

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+ ciência

Fuga de células

Ed Wray/Associated Press


Com incentivo fiscal e leis de bioética mais libertárias, Cingapura acolhe êxodo de cientistas americanos

WAYNE ARNOLD
DO "NEW YORK TIMES"

É proibido vender chicletes de hortelã em Cingapura. Mas e células-tronco embrionárias humanas? Aí é uma outra história.
No mês passado, uma empresa local, a ES Cell International, foi a primeira companhia a produzir comercialmente linhagens de células-tronco embrionárias que servem para testes clínicos. Os pesquisadores podem comprá-las por cerca de R$ 12 mil o frasco.
Cingapura, um país conservador em vários aspectos -incluindo a venda de gomas de mascar- está emergindo como um paraíso para a pesquisa de células-tronco graças a leis liberais nesse campo e financiamento governamental.
Recentemente, a ambição da ilha de se tornar um centro mundial de biotecnologia ganhou a inesperada ajuda da Casa Branca. As restrições que o governo Bush impõe para o financiamento de pesquisas com células-tronco incentivam cada vez mais cientistas a se mudarem para lá.
Dois dos melhores pesquisadores dos EUA em oncologia, Neal Copeland e Nancy Jenkins, do Instituto Nacional do Câncer, em Maryland, vão se mudar para ilha em setembro. Eles assumirão postos no Instituto de Biologia Molecular e Celular. Para Copeland, a falta de dinheiro foi um fator crucial. "Temos a maior colônia de camundongos dos EUA, e custa caro manter isso", diz.
O veto do presidente Bush à legislação que pretendia subir o limite para financiamento federal de pesquisas com células-tronco foi o último de uma série de entraves que vem sufocando o ambiente de pesquisa. Para muitos cientistas, a liderança em ciência médica básica que os Estados Unidos mantêm desde a Segunda Guerra Mundial está ameaçada.
Verba escassa, sede de lucros rápidos e o bombardeio às células-tronco deixaram muitos cientistas americanos frustrados. Mas Cingapura já estava à espreita com coragem e dinheiro. A ilha autoritária começou então a ganhar reputação como oásis da liberdade biomédica.
O motivo é econômico. Frente à queda dos lucros com componentes eletrônicos no ano 2000, a nação começou a apostar na biotecnologia. "Era parte de uma estratégia para diversificar a base de nossa economia e somar a ela um setor de pesquisa intensiva", diz Beh Swan Gin, do Conselho de Desenvolvimento Econômico do país.
A biotecnologia se junta a um crescente portfólio de indústrias que Cingapura está promovendo. A nação está rapidamente se tornando um grande centro de bancos privados, por exemplo, e quer construir dois hotéis-cassino de luxo para reavivar o turismo.
Usando a mesma fórmula de isenção fiscal temporária com subsídios que construiu a base para os maiores fabricantes de componentes eletrônicos do mundo, Cingapura já conseguiu seduzir algumas multinacionais farmacêuticas. Fábricas terceirizadas que produzem drogas para Merck, Pfizer e Schering-Plough hoje geram 18 bilhões de dólares cingapurianos (R$ 24 bilhões) de receita anual e compõem 5% da economia do país.
Mas Cingapura quer ter mais do que fábricas de comprimidos. Para convencer empresas a investir em pesquisa básica e desenvolvimento de drogas, o governo se dispôs a pagar até 30% dos custos de construção de novas instalações. E pelo menos um terço das empresas manifestou interesse, incluindo a gigante suíça Novartis, que abriu na ilha um instituto para pesquisar drogas contra tuberculose e dengue.
O núcleo da iniciativa de biotecnologia de Cingapura é a Biopolis, um complexo biomédico de sete prédios inaugurado em 2003. Além de laboratórios com equipamento de última geração, o centro abriga um bar, uma creche e um biotério subterrâneo com capacidade para 250 mil camundongos.
Autoridades estão construindo agora um banco de células-tronco na Biopolis que poderá contar com leis bastante liberais em relação ao uso de células humanas embrionárias.
Cientistas dizem esperar que as células-tronco embrionárias possam ser usadas para tratar problemas tão variados quanto doenças cardíacas e lesões nervosas. E, diferentemente dos EUA, Cingapura permite o uso de células-troncos de fetos abortados ou embriões descartados. Esses embriões podem ser clonados e mantidos vivos por até 14 dias para produzir culturas de laboratório.
De mudança para Cingapura, Neal Copeland diz que sua preocupação já não é mais arranjar dinheiro para alimentar camundongos, mas sim descobrir como transportar sua adega pessoal de Maryland até lá.


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